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Ela tentou disfarçar. Há quanto tempo os dois não se viam? Muito tempo! Os e-mails eram ocasionais, as notícias esporádicas. Quando ele parou a poucos metros de si, tentou ser natural, mas o coração estava disparado. Aqueles olhos castanhos tinham o poder de refletir o brilho de seu olhar, ela se via nos olhos dele. Comunhão de almas. Tentou sorrir, mas riu de um jeito tímido, nervoso. Calculou: um ano? Dois anos? Não conseguia pensar direito.
Sentaram-se lado a lado. Escondeu as mãos, estavam geladas. Evitou olhá-lo dentro dos olhos novamente. Qualquer gesto a delataria. Todas as vezes que ela se sentia assim, disparava a falar. As palavras se derramavam feito um temporal. Falou do trabalho, da família, de sua impressão a respeito do cenário político. Evitou falar de seu novo relacionamento, sensação de abismo, pra não ficar sozinha encontrou um novo alguém. Se pudesse, voltaria no tempo, começaria tudo outra vez, só pra não perdê-lo de vista. Nunca mais. A saudade corria em suas veias, secava sua boca, parecia um perfume impregnado em sua alma. Em vão tentou esconder o que sentia. Seus olhos se encontraram com os dele.
Longo silêncio, ela tocou suavemente uma mecha dos cabelos grisalhos e desalinhados dele. Esperou um sinal, um gesto. Desejou mudar todo o rumo de suas histórias, trilhar juntos a mesma estrada, no mesmo ritmo e direção. Ele olhou para relógio de pulso, levantou-se apressado, despediu-se evitando um novo encontro de olhares, seguiu a rua por ela observado, passo a passo, até desaparecer na curva.
Voltaram a se ver muito tempo depois. Ela casada, ele sozinho. Ele se sentou ao seu lado, admirando o seu olhar. Longo silêncio. Ele disfarçou a inquietação e o coração acelerado e tocou suavemente uma mecha dos cabelos dela. Ela se afastou alguns centímetros, atendeu o celular, levantou-se apressada. Quando se despediram evitou olhar dentro de seus olhos e foi embora, sendo observada por ele, passo a passo, até desaparecer na entrada do metrô.
Ela tentou ser feliz no casamento. Ele aproveitou a vida ao seu modo, preenchendo o tempo com novidades muitas e afazeres interessantes. Não se encontraram mais, mas não se esqueceram. Jamais.A vida é feita de sonhos e de escolhas. Feita de encontros e despedidas. De decisões e de esperança. De expectativas e mudanças.
Anos mais tarde, encontraram-se no saguão do aeroporto. Ela, ao lado do marido. E ele com uma mulher que conheceu na internet. Era a terceira namorada que tinha em menos de um ano. Fingiram não se ver. Ela lembrou rapidamente de toda a história e sorriu tranquila, havia superado. E ele? Viajou e voltou pensando nela. Despedidas deveriam caber apenas em textos, mas o adeus se encaixou sob medida na vida dos dois. Definitivamente, desencontraram-se
Acordei atrasada, tomei banho às pressas, vesti a primeira roupa que peguei no guarda-roupa. Bebi um suco de laranja, aqueles de embalagem longa vida. Quando cheguei à rua, um morador vizinho me cumprimentou com o olhar esquisito: - oi, lindo dia! Achei tão bonitinho, respondi: pra você também. Entrei no metrô. O homem da bilheteria pareceu ter fixado em mim os olhos. Eu era a terceira da fila, mas ele olhava pra mim. Pedi dois bilhetes, ele ainda continuou a olhar pra mim. Resolvi me despedir dizendo o que o vizinho tinha dito pra mim: tenha um lindo dia. Ele sorriu meio de ladinho, fez sinal de positivo. Que gracinha!
Ai, eu estava me sentindo uma sementinha do bem. Tão bom encontrar pessoas com a alma elevada! Entrei no trem do metrô. Um garotão de uns 16, 17 anos, sentado bem em frente a mim, sorriu. Sorriu e não tirava os olhos de mim. De novo? Assim foi até a estação Sé, quando me levantei pra descer do trem. E, na escada rolante, um homem mais velho disse: ô coisa linda! Um homem galante. Eu estava nas nuvens.
Cheguei à repartição pública onde precisava entregar um documento. O recepcionista pediu o meu RG e também o número do meu celular. Obediente, forneci o que ele solicitou. Cheguei ao andar que procurava, perguntei pelo tal do Sebastião Haroldo, o chefe da sessão. Entrei na sala do sujeito. Atrás de pilhas de papel, grampeadores, computador antigo, lá estava o dito cujo. Pareceu indiferente à minha presença. Esperei, impaciente. Por fim, olhou pra mim. E, sem nada dizer, sorriu. Novamente, olhos fixos em mim. Pegou o papel, algo que deveria ser indeferido, afinal esses órgãos públicos complicam tudo. Pois ele pediu que eu sentasse, ofereceu café, água. Sempre olhando pra mim. Perguntou se eu era solteira, se era casada. E deferiu o pedido! Sinceramente, eu agradeci aos Céus. Aquele era o meu dia de sorte!
Fui direto pro trabalho. O porteiro sorriu simpático, o ascensorista me chamou pelo meu apelido e disse que eu estava linda. Ai, que felicidade! Quando entrei na minha sala, sentei na cadeira, veio a Cidinha, minha colega. – Diva, pelo amor de Deus! Você está com a blusa totalmente desabotoada, feche isso! Olhei pra minha roupa. O botão aberto, na altura do decote. Tudo de fora. Foi assim que entendi que não fui abençoada com energia positiva vinda dos meus semelhantes. Não foi bom astral, nem bondade. Eram homens admirando a paisagem, janela aberta, botão faltando. Acabei de receber um torpedo no celular: gostosaaaaa!!! Pensei que fosse engano, mas lembrei do recepcionista da repartição pública. Só pode ter sido ele. Como dizia minha avó: pra viver é preciso ter peito. Isso eu tenho de sobra.
O que fazer quando ele não quer casar, quando ela não quer casar? Um namoro deveria rumar pra um compromisso sério, sem passos trôpegos, sem divergências estruturais. Inevitável que, diante dessa divergência de objetivos, aconteça uma cisão, um abalo no relacionamento.
Tenho escutado, feito um mantra em meus ouvidos, a seguinte afirmação: casamento não serve pra nada, pra quê casar? . Quanto mais escuto, mais penso no quanto é importante a comunhão de esforços, o mesmo ritmo, a mesma intenção, para que o relacionamento valha a pena, seja feliz, faça sentido.
Tem que ser bom para os dois. Sem brigas, sem mágoas, sem medos. Tudo claro, simples e conversado. Um não quer casar, o outro quer casar. O que fazer? Há duas alternativas, as mais evidentes: parar ou continuar. Um dos dois vai abrir mão de algo, sacrificar o que deseja pra si, em prol do casal. E quem ama se sacrifica em favor do par. Até que ponto isso é bom? Um casamento que começará assim, com um sacrifício da vontade, abrindo mão do que se quer pra si, poderá ser um casamento feliz?
Dessa falta de união de objetivos, surgem dúvidas que machucam muito aquele que escuta as negativas: será que sou amado? Será que sou amada? O risco, que é natural e sempre existe. Somente o passar do tempo, o enfrentamento das muitas dificuldades da vida, é que fortalecerão a relação. Casando, ou não casando, se vai dar certo ou não, será sabido depois de certo período. Muitos dias de sol, muitos dias de chuva, muita água sob a ponte. O resultado chegará depois de algum tempo.
Acho que a pergunta principal é: quem ama age assim? Quem ama pega trilhas paralelas no caminho da vida? Eu acho que não. Quem ama se transforma em pedra no caminho do par? Claro que não. Quem ama fica ao lado, quem ama quer o bem. Quem ama não se imagina sem o ser amado. E se for preciso casa, não casa, mas faz isso pensando no melhor pra si e pro casal. Sem individualismo, sem egoísmo, sem causar sofrimento, sem sacrifícios que te anulem.
Vale a pena conservar um relacionamento com tamanha divergência de objetivos? Cada um tem que encontrar, por si, essa resposta. Investir em uma relação que causa mágoa, sem harmonia de ideais, isso não vale a pena. Quem ama não solta, não abandona, não machuca, não destrói sonhos, quem ama faz planos bonitos lado a lado. E se não for assim, é um relacionamento oco, sem o ingrediente principal: amor. Tem que fluir com naturalidade, sem fazer muita força, de um jeito gostoso. Não quer casar, mas ele quer. Não quer casar, mas ela quer. Será que o melhor não seja parar tudo e ir procurar alguém que pense parecido com você? A separação dói. Viver em um relacionamento sem ser amado, amada, isso dói muito mais.
Leitores: recebo muitos comentários nesta postagem. Recomendo a leitura desta outra publicação, aqui no blog: Casamento: sim ou não?
ATENÇÃO LEITORES: Os comentários desta publicação continuam a ser recebidos, respondidos e publicados por mim. Vocês ultrapassaram 200 comentários aqui e o blog direciona para uma segunda página. Vocês poderão visualizar seu novo comentário e minha resposta olhando em letrinhas miúdas, abaixo da publicação dos comentários, clicando em "mais recentes".
A vida passa correndo e os personagens de nossas histórias são muitos. Dos parentes aos amigos, dos amores aos desamores, dos conhecidos aos que apenas vemos diariamente e não sabemos qual é o seu nome. Alguns marcam profundamente o nosso caminho,outros tentam nos atrapalhar. É uma trama complexa, rica, bonita, triste, engraçada, comum ou não.
Hoje um dos personagens da minha história parecia saltitar em minhas lembranças. Parecia dizer: hei, lembra de mim?.
Sentei no cantinho da sala, no horário do almoço. Sem fome, alimentei o espírito com as recordações doces de um tempo remoto. Peter Pan! Não, não é o Peter Pan dos contos infantis. Peter Pan era um peixinho dourado, seu aquário ficava sobre o piano de minha casa. Os acordes do piano o faziam bailar, adorava música. A família toda o alimentava. Minha mãe perguntava: já deram comida ao Peter Pan? A resposta costumava ser positiva e sequencial: sim, sim, sim e sim. Todos haviam depositado comida no aquário. Dizem, peixes morrem pela boca. Ele não! Viveu um tempo recorde para um exemplar de sua espécie: cinco anos!
Cães são ótimos companheiros, gatos são manhosos. Peter Pan, assim que nos aproximávamos, fazia festa. Ele nos reconhecia. Tornou-se membro de nossa família, era querido por todos nós. Comprado na feira, dentro em um saquinho plástico. Quem diria que aquele serzinho tão miúdo pudesse se transformar em alguém tão amado, importante e inesquecível?
Ele se foi e, contrariando aquele hábito que muitos têm, de jogar no lixo o corpinho inerte de um peixinho ornamental, nós o enterramos no jardim. Com solenidade, respeito e muitas lágrimas.
Amigo pode ter várias formas. Pode ser humano, pode ter quatro patas, pode ter bico, penas, ou escamas. Amigo só nos faz bem, sem pedir nada, senão a nossa felicidade. Quantos personagens em minha história! De muitas formas, de muitos modos.
Este texto é seu, Peter Pan. Amigo querido, que virou estrelinha brilhante lá no Céu.
Os amigos sempre torceram o nariz pro Mário Lúcio. Insistiam: ele não combina com você, Solange.
Há seis meses eles namoravam, se conheceram na academia, em uma aula de pilates. A Solange tinha engordado três quilos. Depois de fazer todas as dietas, especialmente aquelas publicadas em revistas, decidiu ir malhar. O Mário Lúcio era o tipo do cara que saía da academia e bebia seis latinhas de cerveja em seguida. A academia, pros dois, era passatempo e arapuca pra capturar uma nova paquera.
No dia que se conheceram, foram direto da academia pra um barzinho. O namoro começou no dia em que a Solange o convidou pra comer pizza com a turma da faculdade. Daí em diante, começaram a caminhar juntos no parque, uma vez por semana. Uma hora de caminhada, compensada com macarronada, sanduíche, salgadinho.
No terceiro mês de namoro tinham engordado tanto que as roupas estavam justas, mal cabendo em cada um. Por fim, em comum acordo, decidiram abandonar a academia. Uma vida sedentária, sem muitos passeios, sem muito o que fazer. Passavam horas a fio na frente do televisor, assistindo às novelas e programas de auditório. Ele não esqueceu dos amigos, aqueles do chope, da cerveja, costumava encontrá-los nos dias e horários em que, normalmente, os casais estão juntos e namorando: sexta-feira à noite, por exemplo. Ela, praticamente, abandonou os amigos, e passava metade do tempo livre navegando na internet, usando o computador do Mário Lúcio. Um tédio, compensado com sorvete, bolachinha, bombom. Assim foi até o dia que o Mário Lúcio reclamou: você está gorda! Não usa maquiagem nos olhos! O esmalte de suas unhas está descascado. Solange resolveu caprichar no visual, comprou roupas novas, perfume e até sombra verde ela passou nos olhos.
Um dia, para dar uma virada nessa história, usou o vestidinho preto e foi ao cabeleireiro fazer luzes, ficou ansiosa esperando a chegada do Mário Lúcio. Ele chegou, nem bem a cumprimentou, pegou o controle remoto do televisor, sintonizou o canal do futebol e só depois disse: como foi seu dia? Ela, toda produzida, ele de chinelo e bermuda. A noite foi em casa.
Foi assim que ela, pela primeira vez, percebeu que, pra ele, não existia. Não fossem os quilos a mais, sequer ocuparia espaço na vida do Mário Lúcio. Percebeu que as unhas podiam estar pintadas, a maquiagem podia estar caprichada, os cabelos esvoaçantes, o vestido ser lindo, caro e da moda. Pra ele, tanto fazia. Telefonou pro Caio Henrique, namorado do tempo de cursinho, pra desabafar.
E foi assim que a Solange descobriu que estava com o sujeito errado.
Larguei toda a papelada espalhada sobre a cama e resmunguei para as paredes: estou ficando louca!
Fui ao quintal, admirei o belo dia de sábado. As plantinhas ( pobres plantinhas) secas, pedindo água. Regador em punho, tratei de molhar a terra ressecada, dar às verdinhas o alimento necessário. Que diversão! Descalça, brincando com água. Sei lá quanto tempo assim fiquei, são tantos os vasos de plantas que herdei de minha mãe!
Voltei à realidade. Melhor cuidar logo dos papéis. Coisa mais chata. O sol continuava a brilhar lá fora. Liguei o notebook. Um e-mail, dois, três. Notícias sobre os jogos Pan-Americanos. Medalha, medalha, medalha!
Acabei aqui, o meu porto inseguro e predileto. Blog, doce blog. Lar, doce lar. E vocês ainda querem saber o que fiz com os papéis? Estão a me esperar. E eu aqui a delirar.
Lembrei-me de um filme muito antigo, fui ao Google procurar algo que me ajudasse a recordar quem era o ator principal. Alan Bates. O título: Este mundo é dos loucos, o título original é bem diferente: Le Roi de Coeur, tradução: O Rei de Copas. Pra quem não assistiu, afinal assisti há uns quarenta anos ( minha nossa!), o filme trata da Primeira Guerra Mundial de um jeito doce, atípico. Um soldado se refugia em um vilarejo francês, em plena invasão alemã. Com o desenrolar da trama, descobre tratar-se de um hospício, onde os loucos são muito mais felizes que os que se dizem “normais”.
Sim, estou ficando louca. Louca para picar os papéis. Mundinho burocrático, chato! Não sei o que eu tinha na cabeça quando resolvi cursar Direito e exercer a profissão. Naquela época sim, eu estava completamente louca. Ou será que eu era normal? Nem sei. Devo ter “pirado” entre um parágrafo e outro.
Termino o texto decretando que hoje é sábado, que mereço o descanso de uma brava guerreira. Que não vou mais ler esses documentos todos. Que fique tudo isso pra segunda-feira que, assim espero, vai demorar muito pra chegar.
E agora, com licença, vou dançar. Sozinha, pela casa. Ao som de músicas que embalaram minha adolescência nos saudosos anos 70. Louca, leve e solta.
Talvez, você que é leitor ou leitora deste blog não entenda o motivo de eu ter chegado ao extremo de publicar o que virá a seguir, logo abaixo deste meu texto. Talvez, você compreenda e me ajude a divulgar este apelo. Faço isso por AMOR.
Um dos meus irmãos, o Flávio, está com câncer. Uma luta que culminou com a cirurgia de ontem, muito extensa, muito delicada. Eu decidi pedir aqui, no meu blog, doadores de sangue pro meu irmão. Sei que nem todos podem doar, por razões diversas. Porém, eu sei que muitas pessoas de bem poderão nos ajudar a divulgar este pedido!
Ao meu irmão ofereço o meu coração, a minha força, a minha fé e também este pedido muito especial e URGENTE, que publico aqui, para você que é leitor ajudar. Desde já agradeço de todo o coração.
Cláudia ( Diva Latívia )
LOCAL: Hospital Santa Catarina, Avenida Paulista, 200, 4º andar, bloco F, São Paulo - SP.
Tel: 11 3016-4111
HORÁRIOS DE ATENDIMENTO:
· De 2ª a 6ª, das 08:00 às 18:00h.
· Sábados, das 08:00 às 15:30h.
PACIENTE: FLÁVIO JOSÉ DE SIQUEIRA
No período da doação o veículo colocado no estacionamento do hospital será isento de taxa.
Anoiteci. A casa pareceu imensa, o tic-tac do relógio transformado em trovões. Meus passos ecoavam ensurdecedores no assoalho. Louca, estaria enlouquecendo? As luzes apagadas, faminta. Cozinhar só para mim? Uma fruta, isso seria o bastante. Subi a escada apressada, lembrei-me do antigo medo de fantasma. Acelerei o ritmo, corri. Cheguei ao quarto, deitei na cama improvisada com um edredom, acomodei-me. Fechei os olhos bem apertados. Na rua, o barulho dos carros passando, as vozes de vizinhos conversando ao longe.
Toca celular, por favor, toca! Silêncio, o mundo pareceu emudecido. Eu restei, só eu, sozinha, eu! Adormeci. Estava na praia, o mar cor-de-rosa. Ele, feito Netuno, venceu as ondas e caminhou na minha direção. – Vem! Vou te ensinar a voar! Estendi minha mão. Despertei.
Madrugada. As horas se arrastaram, pareceu proposital. Ideias reluziam feito vagalumes a rodear minha cabeça. Onde estariam todos? Aqueles, os que faziam festa? Entre um brinde e outro, desapareceram. Pouco a pouco.
O sol começou a despontar. Peguei a mala no cantinho do quarto, mais uma vez olhei pra casa vazia. E me despedi dos tijolos que me abrigavam. Mudança, adeus programado.
Este texto foi por mim escrito há dois anos. Está publicado no blog Janela das Loucas. É de uma série de textos do Janela que pretendo publicar novamente. Segue a música, que mexe com meu coração e me faz balançar!
Amanheci. Não lembro exatamente o ocorrido, não de modo detalhado. Sonhei com minha mãe. Jovem, cabelos soltos, porém aflita. Amanheci exausta e angustiada, deitada no sofá da sala. Meu refúgio, ali adormeci fazendo uma prece entrecortada pelas lembranças do que sonhei. Durma bem, Mami, descanse! Mortos deveriam descansar em paz! Mortos? Que tolice, você não morreu, está viva em minhas lembranças, em meus genes, em toda esperança.
Manhã chuvosa, puxei a cortina da janela da sala. Perdi a noção do tempo observando as folhas das árvores balançando ao vento. O corpo dolorido, a garganta seca. Saudade de tempos remotos. Entardeci. O sonho marcou as minhas horas. Onde estará você agora? A chuva ainda teima lá fora. Sua ausência se derrama em mim.
Ter um blog não é fácil, especialmente pra quem leva isso tudo muito a sério. Eis aqui Diva Latívia. Na caixa postal o e-mail de uma leitora, pedindo um conselho amoroso. Li, reli, dei uma volta no quarteirão pensando no que responder. Aqui segue a resposta, que demorei dois dias antes de publicar, pra ter certeza de não cometer um desatino, ser leviana, falar bobagem. Enfim, sou alguém com defeitos, com problemas pessoais, feito todo mundo. Mas, a ajuda que ela pediu merece a minha consideração e resposta. Cá está a história dessa leitora e, a seguir, a minha opinião. Você, leitora, leitor, poderá também opinar.
“Passei muitos anos sozinha. Depois da minha separação tive vários namorados, aquela coisa de sair, dançar, rir, transar. Porém, eu me sentia muito sozinha, sem ter um companheiro de verdade. Quando conheci o Nestor ( nome fictício), pensei ter encontrado o grande amor da minha vida. O tempo foi passando. O Nestor não me dava tanta atenção quanto no começo do namoro. Ele ia pro futebol com os amigos três vezes por semana. Além disso, ele viajava muito a trabalho. E eu conheci o Pablo ( outro nome fictício) e me apaixonei por ele. Agora, não sei mais o que fazer! Diva, devo me separar do Nestor? O que eu faço? Sozinha e Carente".
RESPOSTA
Sozinha e Carente, quem sou eu pra te julgar? Afinal, coitado daquele que achar que não está sozinho e não tem qualquer traço de carência. Como se diz por aí, nós viemos ao mundo sozinhos e, um dia, morreremos sozinhos. Quanto à carência, ainda que seja indecifrável, inadmissível, ela sempre existe em cada um de nós. Apaixonou-se por outro alguém? Pergunte a si mesma se tem amor pelo Nestor. Vale a pena viver um relacionamento sem amor, sem tesão, sem calor? Andei lendo algo um dia desses, é mais ou menos assim: se não tem tesão, se não me tira do chão, então não serve pra mim. Pense nisso, talvez o Pablo seja quem você precisa, pra acordar, renascer, rir, pular de alegria. A não ser que o Nestor te tire do chão, claro. Carente e Sozinha, vá viver. Não perca seu tempo com quem não te faz flutuar! Se o Pablo quer algo verdadeiro ou não, só o tempo poderá responder. É um risco que, pessoalmente, acho difícil enfrentar, mas que vale a pena correr. É o que penso. Boa sorte! Diva Latívia
Solidão é ter gente ao redor, mas amanhecer assim, sozinha, se sentindo tão só. Preparar o café pensando na vida, em silêncio, depois de uma noite mal dormida. Ganhar um beijo de despedida automático: “bom dia, se cuida”. Se cuidar? Escovar os dentes admirando as profundas olheiras naquele espelho sujo de pasta de dente. Preciso de um novo corte de cabelo, algo mudou, devo expressar a mudança no visual também. Protestar, talvez? Um corte picotadinho, franja caindo sobre a testa. Mais loira, menos jovem. Dizem que mulheres não envelhecem, simplesmente enloirecem. Um banho demorado, a água morna em meu pescoço dolorido. Lá fora um dia nublado, dentro de mim há temporal. A agenda lotada de compromissos, apresso meus passos para não me atrasar. Se sou feliz? Nem sei. Eu cumpro os prazos, pago as contas, respondo o “bom dia”, tento sorrir. Mas, sem afinidade, o que será mesmo ser feliz?
Sabe por que o amor é cego? Porque a gente não ama cabelo, não ama a roupa, não ama o corpo, não ama a cor dos olhos, e enfim, não amamos o físico. A gente ama o sentimento, a atenção, o carinho e isso não se vê, se sente.
Cabeça cheia causa acidentes de percurso inumeráveis. Distrações, confusões. Nesses últimos dias ando assim: nas nuvens! Cheguei em casa carregando várias sacolas de compras do supermercado. Na boca o molho de chaves, porque não havia mais como segurar nada. Tinha a minha bolsa, a pasta de trabalho e o guarda-chuva. Nem bem pisei os pés no apartamento, o celular tocou. – Alô? E nada de responderem. Insisti: - Alô? Alô? Desliguei. Guardei as compras do jeito que foi possível, quase guardei o sabonete na gaveta de legumes da geladeira. Estava me preparando pra sair novamente, ir ao banco, quando de novo o celular tocou. - Alô? E nada! Isso ainda se repetiu quando eu estava dentro da agência bancária, depois no caminho de volta pra casa e, mais uma vez, quando eu tinha acabado de sair do elevador. Já estava zangada. – Quem é, pô? Não tem nada melhor pra fazer da vida, não?
O número era desconhecido. Gente anônima. Pensei até no José Raylton, aquele namorado de outrora, que fugiu levando o rádio que ganhou de presente. Sentei à frente do televisor. Para relaxar, escolhi um desenho animado. Já tinha tirado as sandálias, ajeitado as almofadas confortavelmente no sofá. Eis que o celular tocou de novo. Nem esperei o silêncio: - Fala desocupado, diga alô! – Alô, Diva. Aqui é do consultório dentário. A sua consulta está confirmada para amanhã, às 9h00.
Quase morri de tanta vergonha. Era a Nazaré, minha dentista. Por pouco não foi xingada, imaginei que fosse de novo aquele tal de” desconhecido”!
Resolvi mudar o canal, ver se a novelinha já tinha começado. Apertei o botão do controle remoto uma, duas, três vezes. E o celular tocou de novo. Procurei ao meu redor, não estava. Tocou até parar de tocar, não conseguia encontrá-lo. Foi quando reparei que eu estava tentando mudar o canal com o celular, não com o controle remoto da TV.
Decidi levar o aparelho celular à loja onde o comprei. Talvez, alguém pudesse me explicar como fazer para não mais receber aquelas chamadas indesejáveis. Eis que me explicaram que eu, possivelmente em uma dessas minhas crises de distração, tinha selecionado a opção “chamada falsa”. Então, o telefone tocava, eu atendia e não era ninguém. Eu nunca tinha ouvido falar nisso. Pra quê serve a chamada falsa, afinal? Só pode ser pra se livrar dos chatos. A pessoa finge que recebeu uma ligação urgente e cai fora!Voltei pra casa meio desconsolada. A cabeça anda sobrecarregada de deveres, missões. Resmunguei: - pirei!
Saí do elevador. A sensação foi estranha. Alguém tinha colocado na parede do corredor um quadro com o desenho de uma galinha. Ali escrito: “home, sweet home”. Não gostei do quadro, como que podiam ter feito isso comigo? Não sou galinha! Peguei o quadro e levei até à lixeira. Desaforo! Isso parecia coisa da vizinha do apartamento ao lado. Olhei furiosa em direção à porta da fulana. Engraçado, ela também tinha colocado um novo quadro junto à sua porta. Flores coloridas. E, no apartamento 21, bem em frente, pintaram a porta de branco! Eu só podia estar louca, o meu tapetinho de entrada não era aquele. Peguei a chave e tentei colocar na fechadura. Não entrava! Uma tentativa, duas, três. Que vontade de chorar! Estaria louca? Resposta: sim, totalmente louca. Aquele não era o meu andar. Desci do elevador um andar antes do meu! Depressa busquei o quadro na lixeira, coloquei direitinho de volta na parede. Corri pela escadaria, me mandei pro meu apartamento. Suspirei aliviada! Nada melhor do que a casa da gente! Parecia tudo resolvido. Não encontrei o controle remoto da TV durante um dia inteirinho. Tinha levado dentro da bolsa, descobri isso quando paguei o táxi hoje de manhã. Enfim, minha cabeça precisa de um upgrade, alguns downloads e muito mais memória!
Dia das crianças. O meu desejo, há vários dias, era escrever algo a respeito. Sou criança de vez em quando. Coitadinhos daqueles que tentam 100% de seu tempo ser adultos: são os insuportáveis de se conviver.
Que delícia quando uma criança nos convida: vamos brincar? Ossos emperrados e desobedientes, ter que sentar no chão, pular e correr. Ofegante e às gargalhadas, esquecer os problemas diários,voltar no tempo, voltar muitas décadas e reencontrar a criança que ainda mora dentro de si. E assim era a infância, a gente ria, corria, sonhava, ainda que a vida já se apresentasse nem tão cor-de-rosa assim. Invencíveis, assim éramos nós. Tínhamos superpoderes, olhar de raio X, os monstros sempre eram vencidos em nossas batalhas no jardim. Sem inimigos, sem muitos problemas, tudo tão simples! Joelhos esfolados, dedo cortado, dente quebrado. Uma lista sem fim de machucados que, muito depressa, ficaram cicatrizados. Medalhas de um tempo distante, quando a mãe nos chamava pontualmente: venha almoçar!
Nossas possantes bicicletas, os balões que subiam em direção ao céu, as pipas coloridas ao vento, as bolinhas de gude em tons azuis e esverdeados. Menino, volta pra casa! A rua era o nosso cenário, entre carrinhos de rolimã e disputas futebolísticas da molecada. Bombinha de cem, bombinha de quinhentos. Taco e polícia e ladrão. Um tanto explosivos,ocasionalmente, as experiências do kit de química causavam resultados inesperados. Esconde-esconde, entre árvores, de modo astuto. Que coisa boa era escutar: vamos brincar? Esperar o Papai Noel chegar, o bicho Papão não voltar. Passa-anel, amarelinha, brincar de casinha.
Feito passe de mágica a gente cresceu, quem parou de brincar simplesmente envelheceu. Um dia chegam os filhos, de novo correr e pular. Mais adiante chegam os netos, para nos exercitar e fazer reencontrar o começo de nossa história, quando voávamos corajosamente inspirados por nossos super-heróis favoritos. Um ciclo, uma ciranda, feito brincadeira de roda a vida se renova.
Hei,você! Vamos brincar?
Amizade é um fio invisível, com elos fortes e motivos muitos. Identificação com alguém, comunhão de pensamentos, gostos, sentimentos. A estrada se torna mais leve, fica mais feliz a caminhada ao lado de quem nos acompanha com bondade, respeito, passo a passo. Não existe ex-amigo, ex-amiga, o que existem são alguns companheiros de jornada ocasionais, esses costumam ir embora, evaporar sem deixar sinais. A amizade transcende o tempo, enfrenta ausências prolongadas. Indestrutível, desde que verdadeira. Lembra a fraternidade. Amores podem ser passageiros, amigos são perpétuos. Atravessam conosco os anos, as décadas. Quem tem ao menos um só amigo nunca está sozinho.
A vida traz no vento essas sementes, que caem em nossos corações. Amigo é mais que parente, ainda que alguns parentes possam tornar-se nossos amigos. Amigo nos devolve o sorriso, torna a estrada bonita, mais florida! Lembrei de Vinícius de Moraes: “Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!”.
Deixo para que reflitam. Afinal, amigo nunca nos abandona, ainda que precise morar longe, ainda que Deus o leve embora. Amigo de verdade sempre está ao nosso lado, perfumando a nossa alma. Vem envolto na lealdade e no compromisso de nos ajudar a enfrentar a vida, na alegria ou na tristeza. Mais que casamento, porque amigo não precisa prometer nada. Simplesmente flui, a amizade é assim. É a doação natural e generosa de si, algo que é entregue com alegria a um irmão ou irmã. Nem sempre irmão de sangue. Amigo é eterno, amigo é pedaço do coração da gente, não nos deixa jamais.
Para a minha amiga, que se tornou minha irmãzinha: Isis.
Eu não assistia às novelas. Não assistia, mas agora assisto. Novela é santo remedinho pra deixar a minha cabeça totalmente oca, sem pensar em nada, senão na trama televisiva. Às vezes, nem presto atenção, fico em alfa sem pensar em absolutamente nada. Já sei quem é a Pereirão, por exemplo, com Lilia Cabral dando um verdadeiro show de interpretação. Pereirão ganhará na loteria e, tomara, aposentará aquele macacão. Porém, quisera não ser vencida pelo sono e assistir à segunda versão de O Astro. No século passado, quando eu era adolescente, a primeira versão foi estrelada por Francisco Cuoco. A atual versão tem Rodrigo Lombardi. Nada mau!
Estava em casa, chegou de viagem um dos meus irmãos. Esse vive viajando, pra lá, pra cá, sua vida é viajar a trabalho. Contou que viajou sentadinho ao lado de um ator. O nome não sabia. Disse assim: aquele da novela! Chutei o nome de mais de uma dúzia de atores, nenhum era o tal passageiro que sentou ao seu lado. Por fim, apareceu na TV uma chamada de O Astro e ele apontou pra telinha: esse cara aí! Quase surtei. Viajou sentado ao lado de ninguém menos que o próprio: Rodrigo Lombardi.
Ô vida injusta, comigo nada disso acontece! Minha última viagem de avião foi o pior sufoco. Voo atrasado, aeroporto lotado. Meu assento, previamente marcado, estava ocupado. Uma senhora gorducha levando uma dessas gaiolas destinadas aos animais de estimação. Fui educada: bom dia, senhora. Está sentada no meu lugar! Ela me olhou como quem mira uma lata de lixo. Meio indiferente, meio fazendo arzinho de nojo. Não respondeu. Repeti o que tinha dito antes, agora um pouquinho impaciente. Nada, apenas murmurou: - e daí? Sem alternativa, chamei a comissária de bordo. – Bom dia, comissária. Esta senhora está sentada no meu lugar. Pronto, começou a confusão. A mulher se agarrou ainda mais à gaiola e exclamou: não vou sair daqui, a janelinha é o lugar preferido do Rubens Miguel!Esse era o nome de um gato de quatro patas que, ao escutar seu nome, proferiu um estridente “miauuuuu”.
Gatos? Adoro gatos, todos eles, especialmente o Rodrigo Lombardi. Porém, eu não me sentaria na poltroninha do meio, feito salsicha de hot dog, entre a dita senhora e um adolescente que mascava chiclete de boca aberta. Insisti, eu queria o meu lugar. Enquanto isso, parada e atravancando o acesso dos passageiros, causei um congestionamento no corredor do avião. Já tinha gente reclamando: com licença! Pode sair da frente? E eu lá, mãos na cintura, sem me mover do lugar. Exigia meu assento, ou desceria no próximo ponto.
Por fim, arrumaram outra poltrona pro Rubens Miguel e sua dona, lá no fundo do avião. Aplausos da torcida! A mulher se dirigiu ao lugar resmungando, seu gato certamente não gostou daquele lugar, preferia a janelinha.
E eu, que só arrumo confusão, imagino como teria sido a viagem se eu tivesse tido a mesma sorte do meu irmão. Talvez, eu puxasse assunto, fazendo de conta não reconhecer Herculano Quintanilha. Possivelmente, pediria um autógrafo. Provavelmente, precisaria de um babador. Pediria pra ele ver o meu futuro, quem sabe? Ler a minha sorte, talvez? Ah, O Astro! E eu, que durmo muito antes do começo dessa novela, sequer vejo o bonitão de segunda à sexta.
Perguntei ao meu irmão se o perfume dele era bom. Ficou revoltadíssimo. Exclamou que é espada, que não percebe perfume de homem não! Quanto desperdício do destino. Fosse eu, se o cumprimentasse, se estendesse a ele a mão, acho que não a lavaria por longo tempo. Ah essas novelas. Pena que acabou Cordel Encantado. Eu suspirava pelo cangaceiro chefe, o Domingos... Domingos... Esqueci o nome do ator.
É por essas e outras que eu antes não parava na sala, à frente do televisor. Tempos que não voltam mais, quando eu não era tiete desses atores que são gente feito a gente, que entram em aviões, restaurantes, academias. E eu, quando esbarro em algum, tiro foto, peço autógrafo. Tem coisa mais boba e gostosa de se fazer? Creio que não!
Não posso dizer que amo o meu pet, afinal o único bichinho de estimação que hoje possuo assina “Divo Latívio”. Em fase de adestramento, já mordeu minha mão algumas vezes nas minhas inúmeras tentativas de colocar em seu anular esquerdo uma coleira.
Ter um animalzinho de estimação, para quem leva a coisa a sério, equivale a ter um filho da espécie homo sapiens. Bicho come, bicho chora, bicho faz xixi e cocô, bicho precisa ser educado, bicho dá trabalho, bicho precisa de amor, bicho traz alegrias e pode trazer tristezas também. É muita responsabilidade tê-los! São lindinhos, mas...
Há trocentos anos atrás, quando eu era uma garotinha, no caminho a pé entre minha casa e a escola, comecei a ser seguida por uma cadelinha vira-lata. Suja, pulguenta, olhar doce. Na porta de casa ela se aboletou. Não saía de jeito nenhum da frente do nosso portão. Resolvi deixar um potinho com água, outro com sobras do jantar. Sabem quando ela foi embora? Dez anos depois, quando morreu velhinha. Adotamos a criaturinha. Deu à luz muitos cãezinhos, tornou-se uma de nossas melhores amigas. Foi aí que eu aprendi que o cachorro escolhe o dono, não o contrário. Terei sido escolhida por Divo? Oh, quanta falta de concentração! Voltarei ao tema.
Ontem, em um papo divertido no Facebook, ou Facecoisa, Isis externou seu profundo desgosto e desespero. Flash, seu cão-sobrinho ( poodle que pertence à sua irmã), está hospedado em sua casa. Essa coisa de não ter com quem deixar o animalzinho, em algumas circunstâncias, é outro motivo pra que eu pense mil vezes antes de adotar um novo pet. Flash já aprontou todas no apartamento da Isis: xixi no tapete, cocô sob a cama, chorou querendo colo, não dormiu e nem a deixou dormir. Possivelmente, sente saudade de sua dona, não está entendendo nada. Deve olhar pra Isis e imaginar que foi ali abandonado, que seu mundo acabou, ou está prestes a acabar. Disse a Isis que seu apartamento tem agora um odor que se parece com o aroma do Rio Pinheiros: podre. Desespero de ambas as partes, portanto.
Estava tudo relativamente bem quando no meio da noite tocou o meu celular. Era a Isis, aos prantos. Não sabia o que fazer para que Flash a deixasse dormir só um pouquinho. O meu conselho parece ter sido bem acolhido e dado algum resultado positivo: dê ao Flash um pedacinho minúsculo de Dramin, aquele remedinho contra enjoo. Ele dormiu, ela dormiu. Ufa, finalmente!
Os veterinários de plantão que me desculpem, mas a saúde mental da minha amiga tem valor inestimável. Hoje, parece, o Flash voltará pra sua casa. Isis terá pela frente a faxina, para tirar o cheiro de pinho sol da sala e o cheiro de cocô de suas narinas. Os tapetes irão pra lavanderia, o sofá precisará ser também lavado. E ela, que não sai do cabeleireiro, está descabelada, unhas por fazer e o olhar meio perdido. Não leva jeito pra ter cachorro, definitivamente: não!
Divo chegou sorrindo contente. Tem pesquisado a raça de nosso futuro cãozinho. Ainda bem que sei domesticar os pets. Comigo, ainda que demore, eles sempre terminam usando uma coleira no pescoço e, dependendo da espécie, no anular esquerdo.
Peço licença ao poeta Vinicius de Moraes. O amor não é chama, o infinito não termina com um adeus. Amor verdadeiro atravessa a existência finita do ser humano e se perpetua onde habitam as estrelas. A paixão, essa sim é finita, ela pode ir e vir, arrefecer, cegar. Meteórica, por intensa que possa ser. Ledo engano de quem se apaixona e, rapidamente se vincula a outro alguém, sem provar o fel dos obstáculos que virão. O sentimento se modifica, ainda que cresça e se enraíze, frutifique lindamente em forma de amor. Tolo quem se desencanta com a ausência do calor da paixão, ela é uma espécie de dança do acasalamento das aves e insetos. Feita sob medida para perpetuar a espécie humana, ou para atrair o parceiro, a parceira para o que de mais simples e bonito existe nesta vida: sexo, procriação.
É muito difícil escutar de alguém que estava junto por pressão, que se sente sufocado. É a mudança do sentimento, começado com o torpor da paixão. Brigas, discussões, silêncios prolongados, tristeza e incompreensão mútua. Como lidar com isso? Ir em busca de outro par, novamente se apaixonar? Viver assim, às braçadas contra a maré da vida, em busca do pote de ouro no final do arco-íris? Sem raízes, sem frutos, sem laço com nó. Paixão é o pontapé inicial do relacionamento, não é vitória, nem o final de uma história.
Amor é superação das muitas dificuldades da vida, lado a lado. Com papel assinado, sem papel assinado. Casamento é muito mais que um documento rabiscado. Casar é compromisso consigo mesmo, antes de ser compromisso com outra pessoa. É doação de sua vida, comunhão de coração, corpo, alma, cotidiano, bens materiais, projetos, todos os momentos.
Quem se sente sufocado, afogou-se no mar da paixão. Não chegou à outra margem do rio que leva ao amor de verdade. Morreu na praia, por assim dizer.
Uma pena terminar o texto enxugando outra lágrima, cores desbotadas de lembranças que parecem distantes, ainda que sejam recentes. Paixão passa, a gente fica. Resta o mar da solidão.
Não sei por qual motivo, mas eu detesto o domingo à noite. Aquela musiquinha do programa Fantástico, isso desde que eu era criança me assombra. Uma espécie de hino fúnebre, o aviso de que amanhã a coisa vai ficar feia, o bicho vai pegar. Nesse momento, quando olho pra minha pasta de trabalho, o arrepio de desespero percorre a minha espinha. Prazos, trânsito, chefe, filas e ... Já estava “de bico”, revoltada com a Glória Maria e o Zeca Camargo, sorrindo e indiferentes ao meu problema, quando meu celular tocou.
- Dona Diva, sou eu, a Zezé!
Sabem aquele mau pressentimento que invade a gente em um milésimo de segundo? A coisa subiu e desceu feito rojão. Zezé nunca telefonava, quanto mais em um horário daqueles.
- Diga, Zezé.
- Num vai ter condução amanhã não. Os “ombus” vão fazer greve. Num vou poder trabalhar.
Pensei no horóscopo do jornal, aquele do suplemento feminino dominical. Li que os aquarianos teriam contratempos e que a conjunção de Urano com Júpiter causaria atrasos e intrigas durante as próximas 24 horas. Esses caras do horóscopo nunca acertam, parece a previsão do tempo. Porém, lá estava o problema, e olha que nem havia terminado o prazo de 24 horas!
Olhei pra pilha de roupa suja, amontoada na área de serviço. Olhei pro cesto de roupa por passar. Abri o cesto. Nada menos que oito camisas sociais de Divo, aquelas camisas de algodão que a gente passa de um lado e a danada amassa do outro lado. Eu já tinha deixado a geladeira descongelando, portanto eu teria que limpar a geladeira antes de ir pro escritório. Teria que acordar às 5 horas da manhã, se quisesse resolver isso.
Tomei a minha decisão!
- Zezé, eu te busco em casa. Me explica como faço pra chegar na sua casa.
- Xi, Dona Diva, a senhora num vai achar minha casa não. Fica aqui no “comprexo”, na comunidade!
- Comunidade? É igreja?
- Não, Dona Diva. É bairro mesmo.
- Tá, dá o endereço e eu acho com o GPS.
- Com quem?
- Deixa pra lá, dá o seu endereço, anda!
- Rua 1, viela 13, casa 867, Jardim do Barro Preto, comunidade de cima.
Tá, anotei. Me espera amanhã às 07h00, eu vou te buscar.
Suspirei aliviada, tudo parecia bem resolvido. No dia seguinte, digitei no Google Maps o endereço. Nem pensar, aquele tal de bairro era um branco só, ou melhor, um mato só. Fui aproximando o cursor e nada. A rua 1 não existia.
Telefonei pra Zezé. Não atendeu uma, duas, trinta e nove vezes. Resolvi rumar em direção ao Jardim do Barro Preto. Isso ficava na saída da Rodovia dos Retirantes, a 45 km de minha casa. Como que a Zezé conseguia chegar todos os dias em casa às 08h00? Incrível isso!
O trânsito estava caótico. Atravessei a Marginal de ponta a ponta, peguei a última ponte, de lá o GPS apontou que eu virasse pra esquerda. Errei. A voz da Fafá, a locutora do GPS que assim foi por mim batizada, insistia em repetir: faça o retorno assim que possível. Vire na próxima à esquerda. Mas, como virar? Era só casa, muro, rua sem saída, viela, barraco. E, finalmente, caiu a ficha. Aquele era o tal do “comprexo” da Zezé.
Parei em um estabelecimento comercial, desses com gente bebendo todas naquele dia e hora, uma mesa de sinuca na calçada, funk tocando o último hit de sucesso da moçada. – Vem, vem gostosa vem. Vai descendo, vai subindo, vem pra cá pro meu colinho. Vem, vem... E eu indo e indo na direção do sujeito que já tinha dado uns 2 goles no copo antes de parar de me comer com os olhos. – Bom dia, senhor. Aqui é o compre... complexo?
Olha, já paguei muito mico nessa vida, mas aquela pergunta era exatamente tudo o que eu não deveria ter feito, ao menos não assim.
- A madame tá perdida?
- Não senhor, vim buscar minha funcionária em casa.
Chamou um colega de bar. – Tonhão, leva a madame até o endereço que ela tá procurando.
Comecei a entender que eu estava no lugar errado, na hora errada. Peguei o celular da bolsa, eu tremia sem parar. Finalmente a Zezé atendeu, minha vontade era de gritar um palavrão.
- Zezé, eu já te liguei umas cem vezes. Estou no seu bairro, no bar do senhor... Senhor... Moço, o nome dessa rua qual é?
- Diz pra sua funcionária que você está na prefeitura da comunidade.
- Ouviu, Zezé, o moço disse que estou na prefeitura.
- Ave Maria, Dona Diva. Meu Santo protetor, protege dona Diva!
- Por que? Eu perguntei isso com a voz sumida, quase muda de tamanha aflição.
O homem me olhava como quem diz: perdeu, Mané.
- É tudo bandido, Dona Diva.
Olhei pra cara daqueles sujeitos, um a um. Notei que um deles tinha uma arma na cintura, o outro usava uma corrente de ouro grossa, cujo valor certamente pagaria metade das minhas contas atrasadas. E o outro olhava pra minha bunda.
- Senhores, eu procuro a viela 13, rua 1, casa...
Já sei onde fica, dona. Mas, pra chegar lá, tem que ir a pé.
Nem precisa dizer que tive que deixar lá o meu carro. Ainda pedi com jeitinho: - cuida do carro pra mim? E acho que sorri, bem bonitinha. Quem sabe eles tivessem dó e não levassem o som, o estepe, as rodas?
Era uma pirambeira que não acabava mais. Ladeira pra cima, ladeira pra baixo. E eu de salto alto. E eis que entramos em um labirinto. Casas e mais casas. Ao meu lado o Tonhão, abrindo caminho. De repente, um cachorro apareceu não sei de onde, começou a latir e eu comecei a gritar. O meu guia disse: passa, sai pra lá, Tim-Tim. Esse era o nome do pulguento.
Continuamos a trilha, que mais parecia uma maratona de salto alto. Depois de quinze minutos de caminhada, de eu quase ter pisado no rabo de um rato morto, de ter agarrado histericamente o braço suado do Tonhão, chegamos à rua e à casa da Zezé.
Descontraída, sossegada, lá estava ela. Sorriu feliz, chamou o cara pelo nome, perguntou da família dele, mandou beijo pras “criançada”. Tudo o que eu precisava era de um copo d´água, pra tomar o meu Lexotan.
Voltamos pelo mesmo caminho. Curioso, como alguém conseguia gravar na memória a rota pra sair do labirinto? Lembrei do rato, quando vi seu cadáver quis novamente gritar, me contive e o pulei com classe.
Tim-Tim continuava ali, coçando as pulgas. Quando me viu, latiu de novo. Chegamos ao bar, meu carro são e salvo, ninguém mexeu. Agradeci e, mais do que depressa, saí de lá.
Tudo isso pra não passar oito camisas sociais! O que não faço pra não ser escrava branca, amarrada ao tanque de lavar roupas?
No final do dia, Zezé telefonou pro escritório. – Dona Diva, os “ombus” continua de greve. A senhora vai me levar em casa?
Mas nem morta. Nunca! Ela poderia pedir demissão, me colocar no pau na justiça do trabalho, poderia me cobrar o reembolso do táxi, hospedar-se em um hotel por minha conta, ou mesmo pernoitar em minha casa. Perdi a paciência e a compostura. Finalmente exclamei o palavrão, que estava comigo guardado desde a excursão matinal ao tal “comprexo da Zezé”. Desliguei o telefone e tentei respirar. Olhei pro lado, o meu chefe, Dr. Armando, olhando fixo pra mim. Só depois percebi que o palavrão era cabeludo demais e que ele nunca tinha me visto tão sem compostura, tão enfurecida.
Zezé dormiu lá em casa três noites, o tempo que demorou para os nobres condutores dos ônibus retornarem aos seus nobres trabalhos. O Jardim do Barro Preto eu risquei do mapa, aliás ele parece ter mesmo caído do mapa, de tão longe que fica.
O que eu gostaria mesmo de entender é: por que chamam favela de complexo comunitário? Se eu soubesse que era uma favela, não teria ido de salto alto buscar minha funcionária, ou melhor, a Zezé. Imaginei que fosse um conjunto residencial, esses no estilo da Cohab.
Já li a notícia de hoje no jornal. De novo os nobres... Vocês sabem o resto... Vão entrar em greve. De novo sem ônibus? Telefonei depressa pra Zezé, pedi a ela que traga amanhã uma malinha com mudas de roupa, que avise à família, porque ela virá pra ficar. Por tempo indeterminado e até que as reinvindicações dos profissionais do volante sejam atendidas. Dias? Semanas? Meses? Ou, quem sabe: nunca!
Esse texto é pra você, Fernando. A ideia surgiu em nossa conversa. Muito bom saber que amigos do tempo de juventude são hoje meus leitores!
Resolvi prestar um concurso público, afinal desemprego é coisa que acaba com o orçamento da gente. O meu, nem se fala. Cortei a conta do celular, cortei a mesada das crianças e começo a pensar em cortar o mal pela raiz. Divo que se cuide.
Chegou o dia da prova. Aquela gente toda parecia jogo do Corinthians X Palmeiras. Uma multidão para concorrer a dez vagas. Coloquei meus óculos de grau na pontinha do nariz e, na listagem afixada na porta do prédio, descobri qual era a minha sala. Assim que sentei, sorri simpática pro gordinho que estava sentado ao meu lado. Tinha jeito de quem tinha estudado, mau sinal, aquele parecia ser um forte concorrente. Começou a prova. Matemática. Detesto matemática. Sem a calculadora, restavam apenas os meus dedos. Conta muito grande, valia contar os dedos das mãos + os dedos dos pés.
Primeira questão. Deu branco. A soma do quadrado dos catetos é igual à raiz quadrada do quê mesmo? Pulei essa.
A outra questão pareceu a senha para ingressar no inferno: quantos lados tem um triângulo-retângulo? Pensei, pensei. Decidi chutar. Já que é triângulo, mas também é retângulo, então 3+4=7!
Ai de quem fizer piadinha sobre as loiras. Simplesmente não gosto de matemática, que fique tudo bem esclarecido.
Terceira pergunta, essa pareceu pior ainda. Que será que era mesmo logarítimo? Deu vontade de rir.
Quarta pergunta, uma equação. Lembrei que existiam as equações de primeiro grau e as equações de segundo grau.Devo ter falado alto: ai, meu santinho São Toninho. Será que o senhor é bom em tabuada?
O fiscal da sala se aproximou. Senhora, com quem estava falando? Sou sincera, disse que estava rezando. Não teve jeito, o cara não acreditou. Me mandou sentar na primeira fileira. Achei ótimo, quando passei pela carteira do gordinho pude ler o resultado da quinta questão: x=234.
Pra minha sorte, tinha prova de redação. O tema: os reflexos da globalização no século 21. Eita tema furado, coisa mais velha, falta de imaginação! Resolvi escrever uma crônica, quase que assinei “Diva Latívia”.
O restante da prova foi História, Geografia e Inglês. Preciso dizer que chutei tudo e ainda acabei descobrindo depois que a Patagônia não fica no Equador?
Creio, não tenho vocação para ser funcionária pública. Não imagino como seria minha vida atrás de montanhas de papel, carimbos, grampeadores. A vida vista por detrás de um balcão. Errei a prova todinha, fui reprovada, continuo cortando tudo pra economizar. Porém, antes desempregada do que mal remunerada. Lembrei a fábula da raposa e das uvas. Aquele concurso estava verde demais! Concursos públicos, isso não farei mais!
Estava no metrô, mais exatamente sentada junto àquele banco lateral, perto da porta. Distraída, pensando na vida, escutei alguém dizer meu nome.
- Diva?
Voltei depressa do mundo onde meus pensamentos habitam. Olhei ao redor, nenhum rosto familiar. Um homem de meia-idade, calvo, barrigudinho, usando óculos de grau, esboçou um sorriso.
- Tudo bem com você? Há quanto tempo, Diva!
Devo ter olhado pra aquele semblante estranho por um longo período. Não o reconheci.
- Não se lembra mais de mim?
- Desculpe, eu sou assim mesmo, meio desligada.
- Continua assim? Não mudou nada.
Senti um certo desapontamento em seu tom de voz.
- Você me conhece de onde?
- Do seu passado.
E foi aí que percebi que a conversa estava boa demais. Do meu passado? Ainda bem que meu passado é publicável, ou quase isso. Ou será que não é nada disso?
-Passado distante, ou passado recente?
Chegamos à estação Ana Rosa. Aquela confusão, entrou gente no trem, saiu gente do trem. Uma mulher cheia de sacolas parou ao nosso lado. Resolvi ceder o meu lugar. Fiquei lado a lado com o velho conhecido, até então irreconhecível.
- Passado é passado.
- Você me conhece, mas não sei quem é você.
- Continua direta, ainda sabe chutar canelas como ninguém.
Isso pareceu uma dica importante. Já fui criança, já fui moleca. Brigava com os meninos de igual pra igual, algo que parece hoje uma dessas lutas de UFC. Seria um amigo de infância?
- Já bati em você?
Ele deu uma gargalhada que ecoou pelo trem.
- Só um pouquinho, quando recusou o buquê de flores que te mandei, lembra?
E foi aí que comecei a juntar as peças. Se ele tinha apanhado, se mandou flores e eu recusei, só podia ser o José Raylton! Nossa, como ele estava gordo! E pior, ele agora usava óculos, lentes que pareciam fundo de garrafa.
- Zè?
- Eu mesmo.
A sensação foi de claustrofobia. Desde o dia em que ele sumiu, levando o rádio que dei de presente, nunca mais nos falamos.
- E o rádio?
- Quer de volta?
- Não, né. Três anos depois? Deve estar usado, quebrado, sei lá.
- Mas, se eu mandar flores de novo, você desta vez vai aceitar?
- Não! Eu estou casada agora.
- É mesmo? Não tem importância, não sou ciumento.
Notei que a mulher que levava as sacolas estava prestando atenção, entretida como quem assiste à novela das 9.
- Tenho que ir agora, cheguei na minha estação.
- Mudou pra Vila Mariana?
Preferi nem responder, balbuciei algo ao estilo “tchau” e saí apressada, com receio que ele viesse atrás de mim.
No dia seguinte, recebi a seguinte mensagem de texto no meu celular: - Você não passa de uma orgulhosa, vi nos seus olhos que ainda me ama. Ligue pra mim, meu coração ainda é seu. Zé.
Eu, naquele momento, estava sentada na sala ao lado de Divo. Quase atirei o celular pela janela, tal foi a minha aflição. Ele percebeu alguma coisa estranha, perguntou se estava tudo bem. Inventei que era uma mensagem da Isis. Tudo o que acontece de errado, passo a bola pra Isis.
Resolvi mudar o número do meu celular. Isso vai dar trabalho, terei que avisar meus contatos sobre a mudança. Porém, do que não sou capaz para que Divo acredite no meu amor, me dê uma aliança e me peça em casamento?
Três anos mais tarde? Isso é desaforo demais! Perdeu, Zé. Diva agora desceu em outra estação!
Há vários dias ando reclusa. Fiz da minha casa uma espécie de clausura. Nada santa, sem vocação para freira, afinal muito mais pareço com Whoopi Goldberg no filme Mudança de Hábito. Lembrei agora do antigo seriado de TV, coisa do final dos anos 60, começo dos anos 70, A Noviça Voadora. Irmã Bertrine, ou algo assim, voava com aquele chapéu, ou véu, parecido com orelhas caídas. A minha vontade de voar, agora passa pela lembrança já ter voado. Voei do alto do pé de pitanga direto pro chão. Infância, que saudade dessa época! Naquele tempo os ossos pareciam ser flexíveis, resistentes, as articulações não estalavam e nem rangiam. Estive olhando fotos antigas, do tempo de criança. Para comparar o passar de tantas décadas de vida, coloquei ao lado uma foto minha atual. O meu sorriso e o meu olhar continuam os mesmos. Talvez, olhar menos inocente, menos brilhante. O que eu estaria pensando, quando clicaram aquele flagrante? Estava eu sentada no banco do jardim, ao lado dos meus irmãos. Sei apenas o que penso agora: vontade de voltar no tempo, ser criança novamente, brincar de corre-corre, me pendurar nas árvores do casarão que foi demolido há muito tempo. Ter comigo os meus irmãos, todos eles. Doce infância, eu te quero de volta, apesar do bicho-papão. Meus medos de outrora, esses parecem brinquedos diante dos medos de agora.
Decidi lembrar quais eram os meus passatempos favoritos daquela época. Na TV os filmes eram em preto e branco, os televisores eram à válvula. Isso demorava um tempão pra funcionar, primeiro a coisa tinha que esquentar. A antena era externa, a cada chuva ou ventania, ela virava ou tombava sobre o telhado. E lá ia alguém consertar. A gritaria era inevitável! Vira mais. Passou, volta. Mais pra direita! Tá bom agora! Quando não funcionava, o jeito era apelar pra antena interna, com palha de aço, o famigerado Bombril, nas pontas das hastes. Eu assistia Jeannie É Um Gênio, A Feiticeira, Lassie. Ouso dizer que assisti aos episódios do Vigilante Rodoviário. Tudo parece agora jurássico, antigo feito a minha foto sorrindo ao lado de meus irmãos. Dinossauros. Meus monstros agora são tiranossauros rex, esfomeados, soltos pelos labirintos do dia a dia: trânsito, contas, relatórios, prazos, impotência diante da dor alheia. Volto o meu olhar pra minha foto de agora. Nem parece que já sou uma senhora, uso franja, jeans, camiseta, coroa moderna, modelo 1961, motor original e, pasmem, sem air bag.
O notebook, quem diria que isso um dia existiria? Creio, dentro de uns 30, 40 anos, a comunicação será toda feita pelo pensamento. Por isso mesmo, melhor desde agora eu mentalizar algo bom. Penso na cura do câncer. Flávio, meu pequeno, meu irmão querido. Penso na sua salvação e me ajeito melhor na poltrona da sala. Há de haver uma solução! Queria voar novamente, pra terra do faz de conta, onde a doença era catapora, o trânsito era de bonecas espalhadas pelo chão, as filas eram de figurinhas daqueles álbuns de coleção. A alegria tinha aroma natalino e éramos invencíveis feito o nosso herói, Nacional Kid. Hoje, o único voo que faço é de avião. Volto à realidade com o toque do celular. Quase perco a hora da reunião. Ajeito a franja e vou embora, sem voo, sem tempo. Uma senhora.
Outro dia, outro sábado! A insônia me acompanhou a noite toda. Olhava pro notebook, o notebook olhava pra mim. Resolvi não escrever, quem sabe isso me ajudasse a adormecer? Qual o quê! Voltei pra cama. Virei pra um lado, virei pro outro lado. Os sabiás começaram a cantar, não havia raiado o sol. Ao longe podia ouvir carros trafegando em uma avenida próxima de casa. Gente que ia e vinha de baladas, encontros românticos, trabalho, visita a amigos e parentes. Tentei imaginar a história de cada um. Pela fresta da janela observei a claridade do dia avançar. Meia-luz, o sol um tanto tímido a despontar.
Fui vencida pela falta de sono, saí do quarto, fui até à cozinha. Café redentor! Três colheres de sopa bem cheias de pó de café, água borbulhante, quase fervente. Aprendi assim. Reguei as plantinhas da janela, ajeitei as almofadas do sofá. Passarinhos cantando, o relógio de parede fazendo tic-tac-tic-tac. Meu tempo passando, passando. Liguei o notebook. Um novo texto para sinalizar que estou viva, apesar de não ter adormecido. Outro sábado, outro dia. Lindo dia. Bom dia!
Aqui você encontrará temas ligados a comportamento, relacionamentos e cotidiano.
É proibida a reprodução não autorizada dos textos deste blog, de acordo com a Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que regula os direitos autorais.
Apresentação
Este blog nasceu no blog Janela das Loucas, onde assinava "Diva Latívia". Ali permaneci durante muito tempo, como autora principal das crônicas do blog. Redescobri que escrever é vital pra mim, guiada e editada por Abílio Manoel, cantor, compositor, cineasta e meu querido amigo. O Janela das Loucas não existe mais, Abílio foi embora pro Céu. Escrevo porque tenho esse dom divino, mas devo ao Abílio este blog, devo ao Abílio a saudade que me acompanha diariamente. Fiz e faço deste blog uma homenagem a aquele que se tornou meu irmão, de alma e coração. Aqui o tema é variado: cotidiano, relacionamentos e comportamento, em prosa e versos.
31 de out. de 2011
A HISTÓRIA DELES DOIS
Ela tentou disfarçar. Há quanto tempo os dois não se viam? Muito tempo! Os e-mails eram ocasionais, as notícias esporádicas. Quando ele parou a poucos metros de si, tentou ser natural, mas o coração estava disparado. Aqueles olhos castanhos tinham o poder de refletir o brilho de seu olhar, ela se via nos olhos dele. Comunhão de almas. Tentou sorrir, mas riu de um jeito tímido, nervoso. Calculou: um ano? Dois anos? Não conseguia pensar direito.
Sentaram-se lado a lado. Escondeu as mãos, estavam geladas. Evitou olhá-lo dentro dos olhos novamente. Qualquer gesto a delataria. Todas as vezes que ela se sentia assim, disparava a falar. As palavras se derramavam feito um temporal. Falou do trabalho, da família, de sua impressão a respeito do cenário político. Evitou falar de seu novo relacionamento, sensação de abismo, pra não ficar sozinha encontrou um novo alguém. Se pudesse, voltaria no tempo, começaria tudo outra vez, só pra não perdê-lo de vista. Nunca mais. A saudade corria em suas veias, secava sua boca, parecia um perfume impregnado em sua alma. Em vão tentou esconder o que sentia. Seus olhos se encontraram com os dele.
Longo silêncio, ela tocou suavemente uma mecha dos cabelos grisalhos e desalinhados dele. Esperou um sinal, um gesto. Desejou mudar todo o rumo de suas histórias, trilhar juntos a mesma estrada, no mesmo ritmo e direção. Ele olhou para relógio de pulso, levantou-se apressado, despediu-se evitando um novo encontro de olhares, seguiu a rua por ela observado, passo a passo, até desaparecer na curva.
Voltaram a se ver muito tempo depois. Ela casada, ele sozinho. Ele se sentou ao seu lado, admirando o seu olhar. Longo silêncio. Ele disfarçou a inquietação e o coração acelerado e tocou suavemente uma mecha dos cabelos dela. Ela se afastou alguns centímetros, atendeu o celular, levantou-se apressada. Quando se despediram evitou olhar dentro de seus olhos e foi embora, sendo observada por ele, passo a passo, até desaparecer na entrada do metrô.
Ela tentou ser feliz no casamento. Ele aproveitou a vida ao seu modo, preenchendo o tempo com novidades muitas e afazeres interessantes. Não se encontraram mais, mas não se esqueceram. Jamais.A vida é feita de sonhos e de escolhas. Feita de encontros e despedidas. De decisões e de esperança. De expectativas e mudanças.
Anos mais tarde, encontraram-se no saguão do aeroporto. Ela, ao lado do marido. E ele com uma mulher que conheceu na internet. Era a terceira namorada que tinha em menos de um ano. Fingiram não se ver. Ela lembrou rapidamente de toda a história e sorriu tranquila, havia superado. E ele? Viajou e voltou pensando nela. Despedidas deveriam caber apenas em textos, mas o adeus se encaixou sob medida na vida dos dois. Definitivamente, desencontraram-se
27 de out. de 2011
O BOTÃO DA BLUSA QUE EU USAVA
Acordei atrasada, tomei banho às pressas, vesti a primeira roupa que peguei no guarda-roupa. Bebi um suco de laranja, aqueles de embalagem longa vida. Quando cheguei à rua, um morador vizinho me cumprimentou com o olhar esquisito: - oi, lindo dia! Achei tão bonitinho, respondi: pra você também. Entrei no metrô. O homem da bilheteria pareceu ter fixado em mim os olhos. Eu era a terceira da fila, mas ele olhava pra mim. Pedi dois bilhetes, ele ainda continuou a olhar pra mim. Resolvi me despedir dizendo o que o vizinho tinha dito pra mim: tenha um lindo dia. Ele sorriu meio de ladinho, fez sinal de positivo. Que gracinha!
Ai, eu estava me sentindo uma sementinha do bem. Tão bom encontrar pessoas com a alma elevada! Entrei no trem do metrô. Um garotão de uns 16, 17 anos, sentado bem em frente a mim, sorriu. Sorriu e não tirava os olhos de mim. De novo? Assim foi até a estação Sé, quando me levantei pra descer do trem. E, na escada rolante, um homem mais velho disse: ô coisa linda! Um homem galante. Eu estava nas nuvens.
Cheguei à repartição pública onde precisava entregar um documento. O recepcionista pediu o meu RG e também o número do meu celular. Obediente, forneci o que ele solicitou. Cheguei ao andar que procurava, perguntei pelo tal do Sebastião Haroldo, o chefe da sessão. Entrei na sala do sujeito. Atrás de pilhas de papel, grampeadores, computador antigo, lá estava o dito cujo. Pareceu indiferente à minha presença. Esperei, impaciente. Por fim, olhou pra mim. E, sem nada dizer, sorriu. Novamente, olhos fixos em mim. Pegou o papel, algo que deveria ser indeferido, afinal esses órgãos públicos complicam tudo. Pois ele pediu que eu sentasse, ofereceu café, água. Sempre olhando pra mim. Perguntou se eu era solteira, se era casada. E deferiu o pedido! Sinceramente, eu agradeci aos Céus. Aquele era o meu dia de sorte!
Fui direto pro trabalho. O porteiro sorriu simpático, o ascensorista me chamou pelo meu apelido e disse que eu estava linda. Ai, que felicidade! Quando entrei na minha sala, sentei na cadeira, veio a Cidinha, minha colega. – Diva, pelo amor de Deus! Você está com a blusa totalmente desabotoada, feche isso! Olhei pra minha roupa. O botão aberto, na altura do decote. Tudo de fora. Foi assim que entendi que não fui abençoada com energia positiva vinda dos meus semelhantes. Não foi bom astral, nem bondade. Eram homens admirando a paisagem, janela aberta, botão faltando. Acabei de receber um torpedo no celular: gostosaaaaa!!! Pensei que fosse engano, mas lembrei do recepcionista da repartição pública. Só pode ter sido ele. Como dizia minha avó: pra viver é preciso ter peito. Isso eu tenho de sobra.
26 de out. de 2011
CASAMENTO: QUANDO UM QUER, MAS O OUTRO NÃO QUER
O que fazer quando ele não quer casar, quando ela não quer casar? Um namoro deveria rumar pra um compromisso sério, sem passos trôpegos, sem divergências estruturais. Inevitável que, diante dessa divergência de objetivos, aconteça uma cisão, um abalo no relacionamento.
Tenho escutado, feito um mantra em meus ouvidos, a seguinte afirmação: casamento não serve pra nada, pra quê casar? . Quanto mais escuto, mais penso no quanto é importante a comunhão de esforços, o mesmo ritmo, a mesma intenção, para que o relacionamento valha a pena, seja feliz, faça sentido.
Tem que ser bom para os dois. Sem brigas, sem mágoas, sem medos. Tudo claro, simples e conversado. Um não quer casar, o outro quer casar. O que fazer? Há duas alternativas, as mais evidentes: parar ou continuar. Um dos dois vai abrir mão de algo, sacrificar o que deseja pra si, em prol do casal. E quem ama se sacrifica em favor do par. Até que ponto isso é bom? Um casamento que começará assim, com um sacrifício da vontade, abrindo mão do que se quer pra si, poderá ser um casamento feliz?
Dessa falta de união de objetivos, surgem dúvidas que machucam muito aquele que escuta as negativas: será que sou amado? Será que sou amada? O risco, que é natural e sempre existe. Somente o passar do tempo, o enfrentamento das muitas dificuldades da vida, é que fortalecerão a relação. Casando, ou não casando, se vai dar certo ou não, será sabido depois de certo período. Muitos dias de sol, muitos dias de chuva, muita água sob a ponte. O resultado chegará depois de algum tempo.
Acho que a pergunta principal é: quem ama age assim? Quem ama pega trilhas paralelas no caminho da vida? Eu acho que não. Quem ama se transforma em pedra no caminho do par? Claro que não. Quem ama fica ao lado, quem ama quer o bem. Quem ama não se imagina sem o ser amado. E se for preciso casa, não casa, mas faz isso pensando no melhor pra si e pro casal. Sem individualismo, sem egoísmo, sem causar sofrimento, sem sacrifícios que te anulem.
Vale a pena conservar um relacionamento com tamanha divergência de objetivos? Cada um tem que encontrar, por si, essa resposta. Investir em uma relação que causa mágoa, sem harmonia de ideais, isso não vale a pena. Quem ama não solta, não abandona, não machuca, não destrói sonhos, quem ama faz planos bonitos lado a lado. E se não for assim, é um relacionamento oco, sem o ingrediente principal: amor. Tem que fluir com naturalidade, sem fazer muita força, de um jeito gostoso. Não quer casar, mas ele quer. Não quer casar, mas ela quer. Será que o melhor não seja parar tudo e ir procurar alguém que pense parecido com você? A separação dói. Viver em um relacionamento sem ser amado, amada, isso dói muito mais.
Leitores: recebo muitos comentários nesta postagem. Recomendo a leitura desta outra publicação, aqui no blog: Casamento: sim ou não?
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25 de out. de 2011
O AMOR DENTRO DO AQUÁRIO
A vida passa correndo e os personagens de nossas histórias são muitos. Dos parentes aos amigos, dos amores aos desamores, dos conhecidos aos que apenas vemos diariamente e não sabemos qual é o seu nome. Alguns marcam profundamente o nosso caminho,outros tentam nos atrapalhar. É uma trama complexa, rica, bonita, triste, engraçada, comum ou não.
Hoje um dos personagens da minha história parecia saltitar em minhas lembranças. Parecia dizer: hei, lembra de mim?.
Sentei no cantinho da sala, no horário do almoço. Sem fome, alimentei o espírito com as recordações doces de um tempo remoto. Peter Pan! Não, não é o Peter Pan dos contos infantis. Peter Pan era um peixinho dourado, seu aquário ficava sobre o piano de minha casa. Os acordes do piano o faziam bailar, adorava música. A família toda o alimentava. Minha mãe perguntava: já deram comida ao Peter Pan? A resposta costumava ser positiva e sequencial: sim, sim, sim e sim. Todos haviam depositado comida no aquário. Dizem, peixes morrem pela boca. Ele não! Viveu um tempo recorde para um exemplar de sua espécie: cinco anos!
Cães são ótimos companheiros, gatos são manhosos. Peter Pan, assim que nos aproximávamos, fazia festa. Ele nos reconhecia. Tornou-se membro de nossa família, era querido por todos nós. Comprado na feira, dentro em um saquinho plástico. Quem diria que aquele serzinho tão miúdo pudesse se transformar em alguém tão amado, importante e inesquecível?
Ele se foi e, contrariando aquele hábito que muitos têm, de jogar no lixo o corpinho inerte de um peixinho ornamental, nós o enterramos no jardim. Com solenidade, respeito e muitas lágrimas.
Amigo pode ter várias formas. Pode ser humano, pode ter quatro patas, pode ter bico, penas, ou escamas. Amigo só nos faz bem, sem pedir nada, senão a nossa felicidade. Quantos personagens em minha história! De muitas formas, de muitos modos.
Este texto é seu, Peter Pan. Amigo querido, que virou estrelinha brilhante lá no Céu.
22 de out. de 2011
O CARA ERRADO
Os amigos sempre torceram o nariz pro Mário Lúcio. Insistiam: ele não combina com você, Solange.
Há seis meses eles namoravam, se conheceram na academia, em uma aula de pilates. A Solange tinha engordado três quilos. Depois de fazer todas as dietas, especialmente aquelas publicadas em revistas, decidiu ir malhar. O Mário Lúcio era o tipo do cara que saía da academia e bebia seis latinhas de cerveja em seguida. A academia, pros dois, era passatempo e arapuca pra capturar uma nova paquera.
No dia que se conheceram, foram direto da academia pra um barzinho. O namoro começou no dia em que a Solange o convidou pra comer pizza com a turma da faculdade. Daí em diante, começaram a caminhar juntos no parque, uma vez por semana. Uma hora de caminhada, compensada com macarronada, sanduíche, salgadinho.
No terceiro mês de namoro tinham engordado tanto que as roupas estavam justas, mal cabendo em cada um. Por fim, em comum acordo, decidiram abandonar a academia. Uma vida sedentária, sem muitos passeios, sem muito o que fazer. Passavam horas a fio na frente do televisor, assistindo às novelas e programas de auditório. Ele não esqueceu dos amigos, aqueles do chope, da cerveja, costumava encontrá-los nos dias e horários em que, normalmente, os casais estão juntos e namorando: sexta-feira à noite, por exemplo. Ela, praticamente, abandonou os amigos, e passava metade do tempo livre navegando na internet, usando o computador do Mário Lúcio. Um tédio, compensado com sorvete, bolachinha, bombom. Assim foi até o dia que o Mário Lúcio reclamou: você está gorda! Não usa maquiagem nos olhos! O esmalte de suas unhas está descascado. Solange resolveu caprichar no visual, comprou roupas novas, perfume e até sombra verde ela passou nos olhos.
Um dia, para dar uma virada nessa história, usou o vestidinho preto e foi ao cabeleireiro fazer luzes, ficou ansiosa esperando a chegada do Mário Lúcio. Ele chegou, nem bem a cumprimentou, pegou o controle remoto do televisor, sintonizou o canal do futebol e só depois disse: como foi seu dia? Ela, toda produzida, ele de chinelo e bermuda. A noite foi em casa.
Foi assim que ela, pela primeira vez, percebeu que, pra ele, não existia. Não fossem os quilos a mais, sequer ocuparia espaço na vida do Mário Lúcio. Percebeu que as unhas podiam estar pintadas, a maquiagem podia estar caprichada, os cabelos esvoaçantes, o vestido ser lindo, caro e da moda. Pra ele, tanto fazia. Telefonou pro Caio Henrique, namorado do tempo de cursinho, pra desabafar.
E foi assim que a Solange descobriu que estava com o sujeito errado.
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ESTE MUNDO É DOS LOUCOS
Larguei toda a papelada espalhada sobre a cama e resmunguei para as paredes: estou ficando louca!
Fui ao quintal, admirei o belo dia de sábado. As plantinhas ( pobres plantinhas) secas, pedindo água. Regador em punho, tratei de molhar a terra ressecada, dar às verdinhas o alimento necessário. Que diversão! Descalça, brincando com água. Sei lá quanto tempo assim fiquei, são tantos os vasos de plantas que herdei de minha mãe!
Voltei à realidade. Melhor cuidar logo dos papéis. Coisa mais chata. O sol continuava a brilhar lá fora. Liguei o notebook. Um e-mail, dois, três. Notícias sobre os jogos Pan-Americanos. Medalha, medalha, medalha!
Acabei aqui, o meu porto inseguro e predileto. Blog, doce blog. Lar, doce lar. E vocês ainda querem saber o que fiz com os papéis? Estão a me esperar. E eu aqui a delirar.
Lembrei-me de um filme muito antigo, fui ao Google procurar algo que me ajudasse a recordar quem era o ator principal. Alan Bates. O título: Este mundo é dos loucos, o título original é bem diferente: Le Roi de Coeur, tradução: O Rei de Copas. Pra quem não assistiu, afinal assisti há uns quarenta anos ( minha nossa!), o filme trata da Primeira Guerra Mundial de um jeito doce, atípico. Um soldado se refugia em um vilarejo francês, em plena invasão alemã. Com o desenrolar da trama, descobre tratar-se de um hospício, onde os loucos são muito mais felizes que os que se dizem “normais”.
Sim, estou ficando louca. Louca para picar os papéis. Mundinho burocrático, chato! Não sei o que eu tinha na cabeça quando resolvi cursar Direito e exercer a profissão. Naquela época sim, eu estava completamente louca. Ou será que eu era normal? Nem sei. Devo ter “pirado” entre um parágrafo e outro.
Termino o texto decretando que hoje é sábado, que mereço o descanso de uma brava guerreira. Que não vou mais ler esses documentos todos. Que fique tudo isso pra segunda-feira que, assim espero, vai demorar muito pra chegar.
E agora, com licença, vou dançar. Sozinha, pela casa. Ao som de músicas que embalaram minha adolescência nos saudosos anos 70. Louca, leve e solta.
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21 de out. de 2011
PEÇO DOADORES DE SANGUE
Talvez, você que é leitor ou leitora deste blog não entenda o motivo de eu ter chegado ao extremo de publicar o que virá a seguir, logo abaixo deste meu texto. Talvez, você compreenda e me ajude a divulgar este apelo. Faço isso por AMOR.
Um dos meus irmãos, o Flávio, está com câncer. Uma luta que culminou com a cirurgia de ontem, muito extensa, muito delicada. Eu decidi pedir aqui, no meu blog, doadores de sangue pro meu irmão. Sei que nem todos podem doar, por razões diversas. Porém, eu sei que muitas pessoas de bem poderão nos ajudar a divulgar este pedido!
Ao meu irmão ofereço o meu coração, a minha força, a minha fé e também este pedido muito especial e URGENTE, que publico aqui, para você que é leitor ajudar. Desde já agradeço de todo o coração.
Cláudia ( Diva Latívia )
LOCAL: Hospital Santa Catarina, Avenida Paulista, 200, 4º andar, bloco F, São Paulo - SP.
Tel: 11 3016-4111
HORÁRIOS DE ATENDIMENTO:
· De 2ª a 6ª, das 08:00 às 18:00h.
· Sábados, das 08:00 às 15:30h.
PACIENTE: FLÁVIO JOSÉ DE SIQUEIRA
No período da doação o veículo colocado no estacionamento do hospital será isento de taxa.
18 de out. de 2011
SOMBRIA
Anoiteci. A casa pareceu imensa, o tic-tac do relógio transformado em trovões. Meus passos ecoavam ensurdecedores no assoalho. Louca, estaria enlouquecendo? As luzes apagadas, faminta. Cozinhar só para mim? Uma fruta, isso seria o bastante. Subi a escada apressada, lembrei-me do antigo medo de fantasma. Acelerei o ritmo, corri. Cheguei ao quarto, deitei na cama improvisada com um edredom, acomodei-me. Fechei os olhos bem apertados. Na rua, o barulho dos carros passando, as vozes de vizinhos conversando ao longe.
Toca celular, por favor, toca! Silêncio, o mundo pareceu emudecido. Eu restei, só eu, sozinha, eu! Adormeci. Estava na praia, o mar cor-de-rosa. Ele, feito Netuno, venceu as ondas e caminhou na minha direção. – Vem! Vou te ensinar a voar! Estendi minha mão. Despertei.
Madrugada. As horas se arrastaram, pareceu proposital. Ideias reluziam feito vagalumes a rodear minha cabeça. Onde estariam todos? Aqueles, os que faziam festa? Entre um brinde e outro, desapareceram. Pouco a pouco.
O sol começou a despontar. Peguei a mala no cantinho do quarto, mais uma vez olhei pra casa vazia. E me despedi dos tijolos que me abrigavam. Mudança, adeus programado.
"Love is in the air", "cause I just can´t take my eyes off you"
Em uma noite dessas eles se conheceram no MSN. Ele sem foto e ela com fotos diversas e de vários momentos de sua vida. Jeito parecido de pensar, de escrever, mesmo gosto musical. Passaram a conversar todas as noites com a webcam ligada, enviando mp3 com músicas que iam de MPB até Diana Krall. Resolveram escolher a “música deles”. Ela elegeu I Can´t Take My Eyes Off You, porque não conseguia desgrudar os olhos da tela e o achava “just too good to be true”.
Sem muito planejar encontraram-se pessoalmente. Ela sem maquiagem e cabelos soltos e ele vestia olhos cor de mel, coisa que a webcam escondia. Quando se viram não disfarçaram a alegria que sentiram. Foram à pracinha comer pastel de palmito. Total sintonia de paladares. Riram, olharam- se dentro dos olhos sem nada esperar, mas com o desejo latente de ter a paz de um amor que sobrevivesse aos vendavais desta vida.Uma tarde inesquecível, assim foi para os dois.
Horas depois ele a acompanhou de volta pra casa, despediram-se, não sem antes trocarem os primeiros e inesquecíveis beijos. Com química, física, matemática, geografia e línguas que se encontraram em total harmonia. Tocava no rádio “and let me love you baby, let me love you”.
A semente foi lançada à terra. Perfeita, apesar das imperfeições que ambos carregam e das dificuldades que a vida entrega. I thank God I’m alive, you’re just too good to be true, I can’t take my eyes off you.
Este texto foi por mim escrito há dois anos. Está publicado no blog Janela das Loucas. É de uma série de textos do Janela que pretendo publicar novamente. Segue a música, que mexe com meu coração e me faz balançar!
16 de out. de 2011
AMANHECER, ENTARDECER, MORRER, VIVER
Amanheci. Não lembro exatamente o ocorrido, não de modo detalhado. Sonhei com minha mãe. Jovem, cabelos soltos, porém aflita. Amanheci exausta e angustiada, deitada no sofá da sala. Meu refúgio, ali adormeci fazendo uma prece entrecortada pelas lembranças do que sonhei. Durma bem, Mami, descanse! Mortos deveriam descansar em paz! Mortos? Que tolice, você não morreu, está viva em minhas lembranças, em meus genes, em toda esperança.
Manhã chuvosa, puxei a cortina da janela da sala. Perdi a noção do tempo observando as folhas das árvores balançando ao vento. O corpo dolorido, a garganta seca. Saudade de tempos remotos. Entardeci. O sonho marcou as minhas horas. Onde estará você agora? A chuva ainda teima lá fora. Sua ausência se derrama em mim.
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15 de out. de 2011
CONSULTÓRIO SENTIMENTAL
Ter um blog não é fácil, especialmente pra quem leva isso tudo muito a sério. Eis aqui Diva Latívia. Na caixa postal o e-mail de uma leitora, pedindo um conselho amoroso. Li, reli, dei uma volta no quarteirão pensando no que responder. Aqui segue a resposta, que demorei dois dias antes de publicar, pra ter certeza de não cometer um desatino, ser leviana, falar bobagem. Enfim, sou alguém com defeitos, com problemas pessoais, feito todo mundo. Mas, a ajuda que ela pediu merece a minha consideração e resposta. Cá está a história dessa leitora e, a seguir, a minha opinião. Você, leitora, leitor, poderá também opinar.
“Passei muitos anos sozinha. Depois da minha separação tive vários namorados, aquela coisa de sair, dançar, rir, transar. Porém, eu me sentia muito sozinha, sem ter um companheiro de verdade. Quando conheci o Nestor ( nome fictício), pensei ter encontrado o grande amor da minha vida. O tempo foi passando. O Nestor não me dava tanta atenção quanto no começo do namoro. Ele ia pro futebol com os amigos três vezes por semana. Além disso, ele viajava muito a trabalho. E eu conheci o Pablo ( outro nome fictício) e me apaixonei por ele. Agora, não sei mais o que fazer! Diva, devo me separar do Nestor? O que eu faço? Sozinha e Carente".
RESPOSTA
Sozinha e Carente, quem sou eu pra te julgar? Afinal, coitado daquele que achar que não está sozinho e não tem qualquer traço de carência. Como se diz por aí, nós viemos ao mundo sozinhos e, um dia, morreremos sozinhos. Quanto à carência, ainda que seja indecifrável, inadmissível, ela sempre existe em cada um de nós. Apaixonou-se por outro alguém? Pergunte a si mesma se tem amor pelo Nestor. Vale a pena viver um relacionamento sem amor, sem tesão, sem calor? Andei lendo algo um dia desses, é mais ou menos assim: se não tem tesão, se não me tira do chão, então não serve pra mim. Pense nisso, talvez o Pablo seja quem você precisa, pra acordar, renascer, rir, pular de alegria. A não ser que o Nestor te tire do chão, claro. Carente e Sozinha, vá viver. Não perca seu tempo com quem não te faz flutuar! Se o Pablo quer algo verdadeiro ou não, só o tempo poderá responder. É um risco que, pessoalmente, acho difícil enfrentar, mas que vale a pena correr. É o que penso. Boa sorte! Diva Latívia
14 de out. de 2011
TEMPORAL EM MIM
Solidão é ter gente ao redor, mas amanhecer assim, sozinha, se sentindo tão só. Preparar o café pensando na vida, em silêncio, depois de uma noite mal dormida. Ganhar um beijo de despedida automático: “bom dia, se cuida”. Se cuidar? Escovar os dentes admirando as profundas olheiras naquele espelho sujo de pasta de dente. Preciso de um novo corte de cabelo, algo mudou, devo expressar a mudança no visual também. Protestar, talvez? Um corte picotadinho, franja caindo sobre a testa. Mais loira, menos jovem. Dizem que mulheres não envelhecem, simplesmente enloirecem. Um banho demorado, a água morna em meu pescoço dolorido. Lá fora um dia nublado, dentro de mim há temporal. A agenda lotada de compromissos, apresso meus passos para não me atrasar. Se sou feliz? Nem sei. Eu cumpro os prazos, pago as contas, respondo o “bom dia”, tento sorrir. Mas, sem afinidade, o que será mesmo ser feliz?
Sabe por que o amor é cego? Porque a gente não ama cabelo, não ama a roupa, não ama o corpo, não ama a cor dos olhos, e enfim, não amamos o físico. A gente ama o sentimento, a atenção, o carinho e isso não se vê, se sente.
13 de out. de 2011
DIVAGANDO DISTRAÍDA
Cabeça cheia causa acidentes de percurso inumeráveis. Distrações, confusões. Nesses últimos dias ando assim: nas nuvens! Cheguei em casa carregando várias sacolas de compras do supermercado. Na boca o molho de chaves, porque não havia mais como segurar nada. Tinha a minha bolsa, a pasta de trabalho e o guarda-chuva. Nem bem pisei os pés no apartamento, o celular tocou. – Alô? E nada de responderem. Insisti: - Alô? Alô? Desliguei. Guardei as compras do jeito que foi possível, quase guardei o sabonete na gaveta de legumes da geladeira. Estava me preparando pra sair novamente, ir ao banco, quando de novo o celular tocou. - Alô? E nada! Isso ainda se repetiu quando eu estava dentro da agência bancária, depois no caminho de volta pra casa e, mais uma vez, quando eu tinha acabado de sair do elevador. Já estava zangada. – Quem é, pô? Não tem nada melhor pra fazer da vida, não?
O número era desconhecido. Gente anônima. Pensei até no José Raylton, aquele namorado de outrora, que fugiu levando o rádio que ganhou de presente. Sentei à frente do televisor. Para relaxar, escolhi um desenho animado. Já tinha tirado as sandálias, ajeitado as almofadas confortavelmente no sofá. Eis que o celular tocou de novo. Nem esperei o silêncio: - Fala desocupado, diga alô! – Alô, Diva. Aqui é do consultório dentário. A sua consulta está confirmada para amanhã, às 9h00.
Quase morri de tanta vergonha. Era a Nazaré, minha dentista. Por pouco não foi xingada, imaginei que fosse de novo aquele tal de” desconhecido”!
Resolvi mudar o canal, ver se a novelinha já tinha começado. Apertei o botão do controle remoto uma, duas, três vezes. E o celular tocou de novo. Procurei ao meu redor, não estava. Tocou até parar de tocar, não conseguia encontrá-lo. Foi quando reparei que eu estava tentando mudar o canal com o celular, não com o controle remoto da TV.
Decidi levar o aparelho celular à loja onde o comprei. Talvez, alguém pudesse me explicar como fazer para não mais receber aquelas chamadas indesejáveis. Eis que me explicaram que eu, possivelmente em uma dessas minhas crises de distração, tinha selecionado a opção “chamada falsa”. Então, o telefone tocava, eu atendia e não era ninguém. Eu nunca tinha ouvido falar nisso. Pra quê serve a chamada falsa, afinal? Só pode ser pra se livrar dos chatos. A pessoa finge que recebeu uma ligação urgente e cai fora!Voltei pra casa meio desconsolada. A cabeça anda sobrecarregada de deveres, missões. Resmunguei: - pirei!
Saí do elevador. A sensação foi estranha. Alguém tinha colocado na parede do corredor um quadro com o desenho de uma galinha. Ali escrito: “home, sweet home”. Não gostei do quadro, como que podiam ter feito isso comigo? Não sou galinha! Peguei o quadro e levei até à lixeira. Desaforo! Isso parecia coisa da vizinha do apartamento ao lado. Olhei furiosa em direção à porta da fulana. Engraçado, ela também tinha colocado um novo quadro junto à sua porta. Flores coloridas. E, no apartamento 21, bem em frente, pintaram a porta de branco! Eu só podia estar louca, o meu tapetinho de entrada não era aquele. Peguei a chave e tentei colocar na fechadura. Não entrava! Uma tentativa, duas, três. Que vontade de chorar! Estaria louca? Resposta: sim, totalmente louca. Aquele não era o meu andar. Desci do elevador um andar antes do meu! Depressa busquei o quadro na lixeira, coloquei direitinho de volta na parede. Corri pela escadaria, me mandei pro meu apartamento. Suspirei aliviada! Nada melhor do que a casa da gente! Parecia tudo resolvido. Não encontrei o controle remoto da TV durante um dia inteirinho. Tinha levado dentro da bolsa, descobri isso quando paguei o táxi hoje de manhã. Enfim, minha cabeça precisa de um upgrade, alguns downloads e muito mais memória!
11 de out. de 2011
DIA DAS CRIANÇAS
Dia das crianças. O meu desejo, há vários dias, era escrever algo a respeito. Sou criança de vez em quando. Coitadinhos daqueles que tentam 100% de seu tempo ser adultos: são os insuportáveis de se conviver.
Que delícia quando uma criança nos convida: vamos brincar? Ossos emperrados e desobedientes, ter que sentar no chão, pular e correr. Ofegante e às gargalhadas, esquecer os problemas diários,voltar no tempo, voltar muitas décadas e reencontrar a criança que ainda mora dentro de si. E assim era a infância, a gente ria, corria, sonhava, ainda que a vida já se apresentasse nem tão cor-de-rosa assim. Invencíveis, assim éramos nós. Tínhamos superpoderes, olhar de raio X, os monstros sempre eram vencidos em nossas batalhas no jardim. Sem inimigos, sem muitos problemas, tudo tão simples! Joelhos esfolados, dedo cortado, dente quebrado. Uma lista sem fim de machucados que, muito depressa, ficaram cicatrizados. Medalhas de um tempo distante, quando a mãe nos chamava pontualmente: venha almoçar!
Nossas possantes bicicletas, os balões que subiam em direção ao céu, as pipas coloridas ao vento, as bolinhas de gude em tons azuis e esverdeados. Menino, volta pra casa! A rua era o nosso cenário, entre carrinhos de rolimã e disputas futebolísticas da molecada. Bombinha de cem, bombinha de quinhentos. Taco e polícia e ladrão. Um tanto explosivos,ocasionalmente, as experiências do kit de química causavam resultados inesperados. Esconde-esconde, entre árvores, de modo astuto. Que coisa boa era escutar: vamos brincar? Esperar o Papai Noel chegar, o bicho Papão não voltar. Passa-anel, amarelinha, brincar de casinha.
Feito passe de mágica a gente cresceu, quem parou de brincar simplesmente envelheceu. Um dia chegam os filhos, de novo correr e pular. Mais adiante chegam os netos, para nos exercitar e fazer reencontrar o começo de nossa história, quando voávamos corajosamente inspirados por nossos super-heróis favoritos. Um ciclo, uma ciranda, feito brincadeira de roda a vida se renova.
Hei,você! Vamos brincar?
10 de out. de 2011
AMIGOS, O PERFUME DA ALMA DA GENTE
Amizade é um fio invisível, com elos fortes e motivos muitos. Identificação com alguém, comunhão de pensamentos, gostos, sentimentos. A estrada se torna mais leve, fica mais feliz a caminhada ao lado de quem nos acompanha com bondade, respeito, passo a passo. Não existe ex-amigo, ex-amiga, o que existem são alguns companheiros de jornada ocasionais, esses costumam ir embora, evaporar sem deixar sinais. A amizade transcende o tempo, enfrenta ausências prolongadas. Indestrutível, desde que verdadeira. Lembra a fraternidade. Amores podem ser passageiros, amigos são perpétuos. Atravessam conosco os anos, as décadas. Quem tem ao menos um só amigo nunca está sozinho.
A vida traz no vento essas sementes, que caem em nossos corações. Amigo é mais que parente, ainda que alguns parentes possam tornar-se nossos amigos. Amigo nos devolve o sorriso, torna a estrada bonita, mais florida! Lembrei de Vinícius de Moraes: “Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!”.
Deixo para que reflitam. Afinal, amigo nunca nos abandona, ainda que precise morar longe, ainda que Deus o leve embora. Amigo de verdade sempre está ao nosso lado, perfumando a nossa alma. Vem envolto na lealdade e no compromisso de nos ajudar a enfrentar a vida, na alegria ou na tristeza. Mais que casamento, porque amigo não precisa prometer nada. Simplesmente flui, a amizade é assim. É a doação natural e generosa de si, algo que é entregue com alegria a um irmão ou irmã. Nem sempre irmão de sangue. Amigo é eterno, amigo é pedaço do coração da gente, não nos deixa jamais.
Para a minha amiga, que se tornou minha irmãzinha: Isis.
8 de out. de 2011
AI, O ASTRO!!!
Eu não assistia às novelas. Não assistia, mas agora assisto. Novela é santo remedinho pra deixar a minha cabeça totalmente oca, sem pensar em nada, senão na trama televisiva. Às vezes, nem presto atenção, fico em alfa sem pensar em absolutamente nada. Já sei quem é a Pereirão, por exemplo, com Lilia Cabral dando um verdadeiro show de interpretação. Pereirão ganhará na loteria e, tomara, aposentará aquele macacão. Porém, quisera não ser vencida pelo sono e assistir à segunda versão de O Astro. No século passado, quando eu era adolescente, a primeira versão foi estrelada por Francisco Cuoco. A atual versão tem Rodrigo Lombardi. Nada mau!
Estava em casa, chegou de viagem um dos meus irmãos. Esse vive viajando, pra lá, pra cá, sua vida é viajar a trabalho. Contou que viajou sentadinho ao lado de um ator. O nome não sabia. Disse assim: aquele da novela! Chutei o nome de mais de uma dúzia de atores, nenhum era o tal passageiro que sentou ao seu lado. Por fim, apareceu na TV uma chamada de O Astro e ele apontou pra telinha: esse cara aí! Quase surtei. Viajou sentado ao lado de ninguém menos que o próprio: Rodrigo Lombardi.
Ô vida injusta, comigo nada disso acontece! Minha última viagem de avião foi o pior sufoco. Voo atrasado, aeroporto lotado. Meu assento, previamente marcado, estava ocupado. Uma senhora gorducha levando uma dessas gaiolas destinadas aos animais de estimação. Fui educada: bom dia, senhora. Está sentada no meu lugar! Ela me olhou como quem mira uma lata de lixo. Meio indiferente, meio fazendo arzinho de nojo. Não respondeu. Repeti o que tinha dito antes, agora um pouquinho impaciente. Nada, apenas murmurou: - e daí? Sem alternativa, chamei a comissária de bordo. – Bom dia, comissária. Esta senhora está sentada no meu lugar. Pronto, começou a confusão. A mulher se agarrou ainda mais à gaiola e exclamou: não vou sair daqui, a janelinha é o lugar preferido do Rubens Miguel!Esse era o nome de um gato de quatro patas que, ao escutar seu nome, proferiu um estridente “miauuuuu”.
Gatos? Adoro gatos, todos eles, especialmente o Rodrigo Lombardi. Porém, eu não me sentaria na poltroninha do meio, feito salsicha de hot dog, entre a dita senhora e um adolescente que mascava chiclete de boca aberta. Insisti, eu queria o meu lugar. Enquanto isso, parada e atravancando o acesso dos passageiros, causei um congestionamento no corredor do avião. Já tinha gente reclamando: com licença! Pode sair da frente? E eu lá, mãos na cintura, sem me mover do lugar. Exigia meu assento, ou desceria no próximo ponto.
Por fim, arrumaram outra poltrona pro Rubens Miguel e sua dona, lá no fundo do avião. Aplausos da torcida! A mulher se dirigiu ao lugar resmungando, seu gato certamente não gostou daquele lugar, preferia a janelinha.
E eu, que só arrumo confusão, imagino como teria sido a viagem se eu tivesse tido a mesma sorte do meu irmão. Talvez, eu puxasse assunto, fazendo de conta não reconhecer Herculano Quintanilha. Possivelmente, pediria um autógrafo. Provavelmente, precisaria de um babador. Pediria pra ele ver o meu futuro, quem sabe? Ler a minha sorte, talvez? Ah, O Astro! E eu, que durmo muito antes do começo dessa novela, sequer vejo o bonitão de segunda à sexta.
Perguntei ao meu irmão se o perfume dele era bom. Ficou revoltadíssimo. Exclamou que é espada, que não percebe perfume de homem não! Quanto desperdício do destino. Fosse eu, se o cumprimentasse, se estendesse a ele a mão, acho que não a lavaria por longo tempo. Ah essas novelas. Pena que acabou Cordel Encantado. Eu suspirava pelo cangaceiro chefe, o Domingos... Domingos... Esqueci o nome do ator.
É por essas e outras que eu antes não parava na sala, à frente do televisor. Tempos que não voltam mais, quando eu não era tiete desses atores que são gente feito a gente, que entram em aviões, restaurantes, academias. E eu, quando esbarro em algum, tiro foto, peço autógrafo. Tem coisa mais boba e gostosa de se fazer? Creio que não!
DE CÃES E DE HOMENS
Não posso dizer que amo o meu pet, afinal o único bichinho de estimação que hoje possuo assina “Divo Latívio”. Em fase de adestramento, já mordeu minha mão algumas vezes nas minhas inúmeras tentativas de colocar em seu anular esquerdo uma coleira.
Ter um animalzinho de estimação, para quem leva a coisa a sério, equivale a ter um filho da espécie homo sapiens. Bicho come, bicho chora, bicho faz xixi e cocô, bicho precisa ser educado, bicho dá trabalho, bicho precisa de amor, bicho traz alegrias e pode trazer tristezas também. É muita responsabilidade tê-los! São lindinhos, mas...
Há trocentos anos atrás, quando eu era uma garotinha, no caminho a pé entre minha casa e a escola, comecei a ser seguida por uma cadelinha vira-lata. Suja, pulguenta, olhar doce. Na porta de casa ela se aboletou. Não saía de jeito nenhum da frente do nosso portão. Resolvi deixar um potinho com água, outro com sobras do jantar. Sabem quando ela foi embora? Dez anos depois, quando morreu velhinha. Adotamos a criaturinha. Deu à luz muitos cãezinhos, tornou-se uma de nossas melhores amigas. Foi aí que eu aprendi que o cachorro escolhe o dono, não o contrário. Terei sido escolhida por Divo? Oh, quanta falta de concentração! Voltarei ao tema.
Ontem, em um papo divertido no Facebook, ou Facecoisa, Isis externou seu profundo desgosto e desespero. Flash, seu cão-sobrinho ( poodle que pertence à sua irmã), está hospedado em sua casa. Essa coisa de não ter com quem deixar o animalzinho, em algumas circunstâncias, é outro motivo pra que eu pense mil vezes antes de adotar um novo pet. Flash já aprontou todas no apartamento da Isis: xixi no tapete, cocô sob a cama, chorou querendo colo, não dormiu e nem a deixou dormir. Possivelmente, sente saudade de sua dona, não está entendendo nada. Deve olhar pra Isis e imaginar que foi ali abandonado, que seu mundo acabou, ou está prestes a acabar. Disse a Isis que seu apartamento tem agora um odor que se parece com o aroma do Rio Pinheiros: podre. Desespero de ambas as partes, portanto.
Estava tudo relativamente bem quando no meio da noite tocou o meu celular. Era a Isis, aos prantos. Não sabia o que fazer para que Flash a deixasse dormir só um pouquinho. O meu conselho parece ter sido bem acolhido e dado algum resultado positivo: dê ao Flash um pedacinho minúsculo de Dramin, aquele remedinho contra enjoo. Ele dormiu, ela dormiu. Ufa, finalmente!
Os veterinários de plantão que me desculpem, mas a saúde mental da minha amiga tem valor inestimável. Hoje, parece, o Flash voltará pra sua casa. Isis terá pela frente a faxina, para tirar o cheiro de pinho sol da sala e o cheiro de cocô de suas narinas. Os tapetes irão pra lavanderia, o sofá precisará ser também lavado. E ela, que não sai do cabeleireiro, está descabelada, unhas por fazer e o olhar meio perdido. Não leva jeito pra ter cachorro, definitivamente: não!
Divo chegou sorrindo contente. Tem pesquisado a raça de nosso futuro cãozinho. Ainda bem que sei domesticar os pets. Comigo, ainda que demore, eles sempre terminam usando uma coleira no pescoço e, dependendo da espécie, no anular esquerdo.
7 de out. de 2011
AMOR E PAIXÃO
Peço licença ao poeta Vinicius de Moraes. O amor não é chama, o infinito não termina com um adeus. Amor verdadeiro atravessa a existência finita do ser humano e se perpetua onde habitam as estrelas. A paixão, essa sim é finita, ela pode ir e vir, arrefecer, cegar. Meteórica, por intensa que possa ser. Ledo engano de quem se apaixona e, rapidamente se vincula a outro alguém, sem provar o fel dos obstáculos que virão. O sentimento se modifica, ainda que cresça e se enraíze, frutifique lindamente em forma de amor. Tolo quem se desencanta com a ausência do calor da paixão, ela é uma espécie de dança do acasalamento das aves e insetos. Feita sob medida para perpetuar a espécie humana, ou para atrair o parceiro, a parceira para o que de mais simples e bonito existe nesta vida: sexo, procriação.
É muito difícil escutar de alguém que estava junto por pressão, que se sente sufocado. É a mudança do sentimento, começado com o torpor da paixão. Brigas, discussões, silêncios prolongados, tristeza e incompreensão mútua. Como lidar com isso? Ir em busca de outro par, novamente se apaixonar? Viver assim, às braçadas contra a maré da vida, em busca do pote de ouro no final do arco-íris? Sem raízes, sem frutos, sem laço com nó. Paixão é o pontapé inicial do relacionamento, não é vitória, nem o final de uma história.
Amor é superação das muitas dificuldades da vida, lado a lado. Com papel assinado, sem papel assinado. Casamento é muito mais que um documento rabiscado. Casar é compromisso consigo mesmo, antes de ser compromisso com outra pessoa. É doação de sua vida, comunhão de coração, corpo, alma, cotidiano, bens materiais, projetos, todos os momentos.
Quem se sente sufocado, afogou-se no mar da paixão. Não chegou à outra margem do rio que leva ao amor de verdade. Morreu na praia, por assim dizer.
Uma pena terminar o texto enxugando outra lágrima, cores desbotadas de lembranças que parecem distantes, ainda que sejam recentes. Paixão passa, a gente fica. Resta o mar da solidão.
6 de out. de 2011
O "COMPREXO" DA ZEZÉ
Não sei por qual motivo, mas eu detesto o domingo à noite. Aquela musiquinha do programa Fantástico, isso desde que eu era criança me assombra. Uma espécie de hino fúnebre, o aviso de que amanhã a coisa vai ficar feia, o bicho vai pegar. Nesse momento, quando olho pra minha pasta de trabalho, o arrepio de desespero percorre a minha espinha. Prazos, trânsito, chefe, filas e ... Já estava “de bico”, revoltada com a Glória Maria e o Zeca Camargo, sorrindo e indiferentes ao meu problema, quando meu celular tocou.
- Dona Diva, sou eu, a Zezé!
Sabem aquele mau pressentimento que invade a gente em um milésimo de segundo? A coisa subiu e desceu feito rojão. Zezé nunca telefonava, quanto mais em um horário daqueles.
- Diga, Zezé.
- Num vai ter condução amanhã não. Os “ombus” vão fazer greve. Num vou poder trabalhar.
Pensei no horóscopo do jornal, aquele do suplemento feminino dominical. Li que os aquarianos teriam contratempos e que a conjunção de Urano com Júpiter causaria atrasos e intrigas durante as próximas 24 horas. Esses caras do horóscopo nunca acertam, parece a previsão do tempo. Porém, lá estava o problema, e olha que nem havia terminado o prazo de 24 horas!
Olhei pra pilha de roupa suja, amontoada na área de serviço. Olhei pro cesto de roupa por passar. Abri o cesto. Nada menos que oito camisas sociais de Divo, aquelas camisas de algodão que a gente passa de um lado e a danada amassa do outro lado. Eu já tinha deixado a geladeira descongelando, portanto eu teria que limpar a geladeira antes de ir pro escritório. Teria que acordar às 5 horas da manhã, se quisesse resolver isso.
Tomei a minha decisão!
- Zezé, eu te busco em casa. Me explica como faço pra chegar na sua casa.
- Xi, Dona Diva, a senhora num vai achar minha casa não. Fica aqui no “comprexo”, na comunidade!
- Comunidade? É igreja?
- Não, Dona Diva. É bairro mesmo.
- Tá, dá o endereço e eu acho com o GPS.
- Com quem?
- Deixa pra lá, dá o seu endereço, anda!
- Rua 1, viela 13, casa 867, Jardim do Barro Preto, comunidade de cima.
Tá, anotei. Me espera amanhã às 07h00, eu vou te buscar.
Suspirei aliviada, tudo parecia bem resolvido. No dia seguinte, digitei no Google Maps o endereço. Nem pensar, aquele tal de bairro era um branco só, ou melhor, um mato só. Fui aproximando o cursor e nada. A rua 1 não existia.
Telefonei pra Zezé. Não atendeu uma, duas, trinta e nove vezes. Resolvi rumar em direção ao Jardim do Barro Preto. Isso ficava na saída da Rodovia dos Retirantes, a 45 km de minha casa. Como que a Zezé conseguia chegar todos os dias em casa às 08h00? Incrível isso!
O trânsito estava caótico. Atravessei a Marginal de ponta a ponta, peguei a última ponte, de lá o GPS apontou que eu virasse pra esquerda. Errei. A voz da Fafá, a locutora do GPS que assim foi por mim batizada, insistia em repetir: faça o retorno assim que possível. Vire na próxima à esquerda. Mas, como virar? Era só casa, muro, rua sem saída, viela, barraco. E, finalmente, caiu a ficha. Aquele era o tal do “comprexo” da Zezé.
Parei em um estabelecimento comercial, desses com gente bebendo todas naquele dia e hora, uma mesa de sinuca na calçada, funk tocando o último hit de sucesso da moçada. – Vem, vem gostosa vem. Vai descendo, vai subindo, vem pra cá pro meu colinho. Vem, vem... E eu indo e indo na direção do sujeito que já tinha dado uns 2 goles no copo antes de parar de me comer com os olhos. – Bom dia, senhor. Aqui é o compre... complexo?
Olha, já paguei muito mico nessa vida, mas aquela pergunta era exatamente tudo o que eu não deveria ter feito, ao menos não assim.
- A madame tá perdida?
- Não senhor, vim buscar minha funcionária em casa.
Chamou um colega de bar. – Tonhão, leva a madame até o endereço que ela tá procurando.
Comecei a entender que eu estava no lugar errado, na hora errada. Peguei o celular da bolsa, eu tremia sem parar. Finalmente a Zezé atendeu, minha vontade era de gritar um palavrão.
- Zezé, eu já te liguei umas cem vezes. Estou no seu bairro, no bar do senhor... Senhor... Moço, o nome dessa rua qual é?
- Diz pra sua funcionária que você está na prefeitura da comunidade.
- Ouviu, Zezé, o moço disse que estou na prefeitura.
- Ave Maria, Dona Diva. Meu Santo protetor, protege dona Diva!
- Por que? Eu perguntei isso com a voz sumida, quase muda de tamanha aflição.
O homem me olhava como quem diz: perdeu, Mané.
- É tudo bandido, Dona Diva.
Olhei pra cara daqueles sujeitos, um a um. Notei que um deles tinha uma arma na cintura, o outro usava uma corrente de ouro grossa, cujo valor certamente pagaria metade das minhas contas atrasadas. E o outro olhava pra minha bunda.
- Senhores, eu procuro a viela 13, rua 1, casa...
Já sei onde fica, dona. Mas, pra chegar lá, tem que ir a pé.
Nem precisa dizer que tive que deixar lá o meu carro. Ainda pedi com jeitinho: - cuida do carro pra mim? E acho que sorri, bem bonitinha. Quem sabe eles tivessem dó e não levassem o som, o estepe, as rodas?
Era uma pirambeira que não acabava mais. Ladeira pra cima, ladeira pra baixo. E eu de salto alto. E eis que entramos em um labirinto. Casas e mais casas. Ao meu lado o Tonhão, abrindo caminho. De repente, um cachorro apareceu não sei de onde, começou a latir e eu comecei a gritar. O meu guia disse: passa, sai pra lá, Tim-Tim. Esse era o nome do pulguento.
Continuamos a trilha, que mais parecia uma maratona de salto alto. Depois de quinze minutos de caminhada, de eu quase ter pisado no rabo de um rato morto, de ter agarrado histericamente o braço suado do Tonhão, chegamos à rua e à casa da Zezé.
Descontraída, sossegada, lá estava ela. Sorriu feliz, chamou o cara pelo nome, perguntou da família dele, mandou beijo pras “criançada”. Tudo o que eu precisava era de um copo d´água, pra tomar o meu Lexotan.
Voltamos pelo mesmo caminho. Curioso, como alguém conseguia gravar na memória a rota pra sair do labirinto? Lembrei do rato, quando vi seu cadáver quis novamente gritar, me contive e o pulei com classe.
Tim-Tim continuava ali, coçando as pulgas. Quando me viu, latiu de novo. Chegamos ao bar, meu carro são e salvo, ninguém mexeu. Agradeci e, mais do que depressa, saí de lá.
Tudo isso pra não passar oito camisas sociais! O que não faço pra não ser escrava branca, amarrada ao tanque de lavar roupas?
No final do dia, Zezé telefonou pro escritório. – Dona Diva, os “ombus” continua de greve. A senhora vai me levar em casa?
Mas nem morta. Nunca! Ela poderia pedir demissão, me colocar no pau na justiça do trabalho, poderia me cobrar o reembolso do táxi, hospedar-se em um hotel por minha conta, ou mesmo pernoitar em minha casa. Perdi a paciência e a compostura. Finalmente exclamei o palavrão, que estava comigo guardado desde a excursão matinal ao tal “comprexo da Zezé”. Desliguei o telefone e tentei respirar. Olhei pro lado, o meu chefe, Dr. Armando, olhando fixo pra mim. Só depois percebi que o palavrão era cabeludo demais e que ele nunca tinha me visto tão sem compostura, tão enfurecida.
Zezé dormiu lá em casa três noites, o tempo que demorou para os nobres condutores dos ônibus retornarem aos seus nobres trabalhos. O Jardim do Barro Preto eu risquei do mapa, aliás ele parece ter mesmo caído do mapa, de tão longe que fica.
O que eu gostaria mesmo de entender é: por que chamam favela de complexo comunitário? Se eu soubesse que era uma favela, não teria ido de salto alto buscar minha funcionária, ou melhor, a Zezé. Imaginei que fosse um conjunto residencial, esses no estilo da Cohab.
Já li a notícia de hoje no jornal. De novo os nobres... Vocês sabem o resto... Vão entrar em greve. De novo sem ônibus? Telefonei depressa pra Zezé, pedi a ela que traga amanhã uma malinha com mudas de roupa, que avise à família, porque ela virá pra ficar. Por tempo indeterminado e até que as reinvindicações dos profissionais do volante sejam atendidas. Dias? Semanas? Meses? Ou, quem sabe: nunca!
Esse texto é pra você, Fernando. A ideia surgiu em nossa conversa. Muito bom saber que amigos do tempo de juventude são hoje meus leitores!
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5 de out. de 2011
GRAU ZERO
Resolvi prestar um concurso público, afinal desemprego é coisa que acaba com o orçamento da gente. O meu, nem se fala. Cortei a conta do celular, cortei a mesada das crianças e começo a pensar em cortar o mal pela raiz. Divo que se cuide.
Chegou o dia da prova. Aquela gente toda parecia jogo do Corinthians X Palmeiras. Uma multidão para concorrer a dez vagas. Coloquei meus óculos de grau na pontinha do nariz e, na listagem afixada na porta do prédio, descobri qual era a minha sala. Assim que sentei, sorri simpática pro gordinho que estava sentado ao meu lado. Tinha jeito de quem tinha estudado, mau sinal, aquele parecia ser um forte concorrente. Começou a prova. Matemática. Detesto matemática. Sem a calculadora, restavam apenas os meus dedos. Conta muito grande, valia contar os dedos das mãos + os dedos dos pés.
Primeira questão. Deu branco. A soma do quadrado dos catetos é igual à raiz quadrada do quê mesmo? Pulei essa.
A outra questão pareceu a senha para ingressar no inferno: quantos lados tem um triângulo-retângulo? Pensei, pensei. Decidi chutar. Já que é triângulo, mas também é retângulo, então 3+4=7!
Ai de quem fizer piadinha sobre as loiras. Simplesmente não gosto de matemática, que fique tudo bem esclarecido.
Terceira pergunta, essa pareceu pior ainda. Que será que era mesmo logarítimo? Deu vontade de rir.
Quarta pergunta, uma equação. Lembrei que existiam as equações de primeiro grau e as equações de segundo grau.Devo ter falado alto: ai, meu santinho São Toninho. Será que o senhor é bom em tabuada?
O fiscal da sala se aproximou. Senhora, com quem estava falando? Sou sincera, disse que estava rezando. Não teve jeito, o cara não acreditou. Me mandou sentar na primeira fileira. Achei ótimo, quando passei pela carteira do gordinho pude ler o resultado da quinta questão: x=234.
Pra minha sorte, tinha prova de redação. O tema: os reflexos da globalização no século 21. Eita tema furado, coisa mais velha, falta de imaginação! Resolvi escrever uma crônica, quase que assinei “Diva Latívia”.
O restante da prova foi História, Geografia e Inglês. Preciso dizer que chutei tudo e ainda acabei descobrindo depois que a Patagônia não fica no Equador?
Creio, não tenho vocação para ser funcionária pública. Não imagino como seria minha vida atrás de montanhas de papel, carimbos, grampeadores. A vida vista por detrás de um balcão. Errei a prova todinha, fui reprovada, continuo cortando tudo pra economizar. Porém, antes desempregada do que mal remunerada. Lembrei a fábula da raposa e das uvas. Aquele concurso estava verde demais! Concursos públicos, isso não farei mais!
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DIRETO DO PASSADO, DENTRO DO METRÔ
Estava no metrô, mais exatamente sentada junto àquele banco lateral, perto da porta. Distraída, pensando na vida, escutei alguém dizer meu nome.
- Diva?
Voltei depressa do mundo onde meus pensamentos habitam. Olhei ao redor, nenhum rosto familiar. Um homem de meia-idade, calvo, barrigudinho, usando óculos de grau, esboçou um sorriso.
- Tudo bem com você? Há quanto tempo, Diva!
Devo ter olhado pra aquele semblante estranho por um longo período. Não o reconheci.
- Não se lembra mais de mim?
- Desculpe, eu sou assim mesmo, meio desligada.
- Continua assim? Não mudou nada.
Senti um certo desapontamento em seu tom de voz.
- Você me conhece de onde?
- Do seu passado.
E foi aí que percebi que a conversa estava boa demais. Do meu passado? Ainda bem que meu passado é publicável, ou quase isso. Ou será que não é nada disso?
-Passado distante, ou passado recente?
Chegamos à estação Ana Rosa. Aquela confusão, entrou gente no trem, saiu gente do trem. Uma mulher cheia de sacolas parou ao nosso lado. Resolvi ceder o meu lugar. Fiquei lado a lado com o velho conhecido, até então irreconhecível.
- Passado é passado.
- Você me conhece, mas não sei quem é você.
- Continua direta, ainda sabe chutar canelas como ninguém.
Isso pareceu uma dica importante. Já fui criança, já fui moleca. Brigava com os meninos de igual pra igual, algo que parece hoje uma dessas lutas de UFC. Seria um amigo de infância?
- Já bati em você?
Ele deu uma gargalhada que ecoou pelo trem.
- Só um pouquinho, quando recusou o buquê de flores que te mandei, lembra?
E foi aí que comecei a juntar as peças. Se ele tinha apanhado, se mandou flores e eu recusei, só podia ser o José Raylton! Nossa, como ele estava gordo! E pior, ele agora usava óculos, lentes que pareciam fundo de garrafa.
- Zè?
- Eu mesmo.
A sensação foi de claustrofobia. Desde o dia em que ele sumiu, levando o rádio que dei de presente, nunca mais nos falamos.
- E o rádio?
- Quer de volta?
- Não, né. Três anos depois? Deve estar usado, quebrado, sei lá.
- Mas, se eu mandar flores de novo, você desta vez vai aceitar?
- Não! Eu estou casada agora.
- É mesmo? Não tem importância, não sou ciumento.
Notei que a mulher que levava as sacolas estava prestando atenção, entretida como quem assiste à novela das 9.
- Tenho que ir agora, cheguei na minha estação.
- Mudou pra Vila Mariana?
Preferi nem responder, balbuciei algo ao estilo “tchau” e saí apressada, com receio que ele viesse atrás de mim.
No dia seguinte, recebi a seguinte mensagem de texto no meu celular: - Você não passa de uma orgulhosa, vi nos seus olhos que ainda me ama. Ligue pra mim, meu coração ainda é seu. Zé.
Eu, naquele momento, estava sentada na sala ao lado de Divo. Quase atirei o celular pela janela, tal foi a minha aflição. Ele percebeu alguma coisa estranha, perguntou se estava tudo bem. Inventei que era uma mensagem da Isis. Tudo o que acontece de errado, passo a bola pra Isis.
Resolvi mudar o número do meu celular. Isso vai dar trabalho, terei que avisar meus contatos sobre a mudança. Porém, do que não sou capaz para que Divo acredite no meu amor, me dê uma aliança e me peça em casamento?
Três anos mais tarde? Isso é desaforo demais! Perdeu, Zé. Diva agora desceu em outra estação!
O MEU AGRADECIMENTO
Oh, Abílio Manoel. Amigos deveriam ser proibidos de partir rumo às estrelas. O que seria de mim, não fosse seu incentivo pra que eu escrevesse algo pro seu blog, o Janela das Loucas? Não fosse a sua ajuda, persistência, o seu reconhecimento? Pois, se até mesmo “Diva Latívia” é o apelido que você criou pra mim! Se até mesmo este blog aqui você configurou, escolheu o layout e, todo contente, me entregou de presente? O que seria de mim, Abilinho, se eu não tivesse as letrinhas para reunir, as ideias para espalhar por aí? Olhe só! Está vendo? Quanta gente lê meus textos? Você estava certo, o blog seria um sucesso!
Hoje eu mostrei o notebook para a primeira estrela que brilhou no Céu, neste cair da tarde. Da janela do meu quarto, em plena cidade de São Paulo, ao Céu estendi as mãos e, para o meu amigo tão amado, ofereci todo este meu trabalho. É pra ele, por ele e com ele que escrevo. Sempre! Meu amigo, meu maninho, receba mais este texto. Com o amor, o carinho e a imensa saudade de sua irmã e amiga.
Diva Latívia
VIDA VOADORA
Há vários dias ando reclusa. Fiz da minha casa uma espécie de clausura. Nada santa, sem vocação para freira, afinal muito mais pareço com Whoopi Goldberg no filme Mudança de Hábito. Lembrei agora do antigo seriado de TV, coisa do final dos anos 60, começo dos anos 70, A Noviça Voadora. Irmã Bertrine, ou algo assim, voava com aquele chapéu, ou véu, parecido com orelhas caídas. A minha vontade de voar, agora passa pela lembrança já ter voado. Voei do alto do pé de pitanga direto pro chão. Infância, que saudade dessa época! Naquele tempo os ossos pareciam ser flexíveis, resistentes, as articulações não estalavam e nem rangiam. Estive olhando fotos antigas, do tempo de criança. Para comparar o passar de tantas décadas de vida, coloquei ao lado uma foto minha atual. O meu sorriso e o meu olhar continuam os mesmos. Talvez, olhar menos inocente, menos brilhante. O que eu estaria pensando, quando clicaram aquele flagrante? Estava eu sentada no banco do jardim, ao lado dos meus irmãos. Sei apenas o que penso agora: vontade de voltar no tempo, ser criança novamente, brincar de corre-corre, me pendurar nas árvores do casarão que foi demolido há muito tempo. Ter comigo os meus irmãos, todos eles. Doce infância, eu te quero de volta, apesar do bicho-papão. Meus medos de outrora, esses parecem brinquedos diante dos medos de agora.
Decidi lembrar quais eram os meus passatempos favoritos daquela época. Na TV os filmes eram em preto e branco, os televisores eram à válvula. Isso demorava um tempão pra funcionar, primeiro a coisa tinha que esquentar. A antena era externa, a cada chuva ou ventania, ela virava ou tombava sobre o telhado. E lá ia alguém consertar. A gritaria era inevitável! Vira mais. Passou, volta. Mais pra direita! Tá bom agora! Quando não funcionava, o jeito era apelar pra antena interna, com palha de aço, o famigerado Bombril, nas pontas das hastes. Eu assistia Jeannie É Um Gênio, A Feiticeira, Lassie. Ouso dizer que assisti aos episódios do Vigilante Rodoviário. Tudo parece agora jurássico, antigo feito a minha foto sorrindo ao lado de meus irmãos. Dinossauros. Meus monstros agora são tiranossauros rex, esfomeados, soltos pelos labirintos do dia a dia: trânsito, contas, relatórios, prazos, impotência diante da dor alheia. Volto o meu olhar pra minha foto de agora. Nem parece que já sou uma senhora, uso franja, jeans, camiseta, coroa moderna, modelo 1961, motor original e, pasmem, sem air bag.
O notebook, quem diria que isso um dia existiria? Creio, dentro de uns 30, 40 anos, a comunicação será toda feita pelo pensamento. Por isso mesmo, melhor desde agora eu mentalizar algo bom. Penso na cura do câncer. Flávio, meu pequeno, meu irmão querido. Penso na sua salvação e me ajeito melhor na poltrona da sala. Há de haver uma solução! Queria voar novamente, pra terra do faz de conta, onde a doença era catapora, o trânsito era de bonecas espalhadas pelo chão, as filas eram de figurinhas daqueles álbuns de coleção. A alegria tinha aroma natalino e éramos invencíveis feito o nosso herói, Nacional Kid. Hoje, o único voo que faço é de avião. Volto à realidade com o toque do celular. Quase perco a hora da reunião. Ajeito a franja e vou embora, sem voo, sem tempo. Uma senhora.
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COM DIVA NINGUÉM PODE
Quando Zezé, valiosa ajudante do lar, trouxe pra mim um chá calmante, torci meu nariz. Não costumo beber chá. Porém, decidi prestigiar tamanha dedicação e carinho. No primeiro gole, senti um sabor meio amargo, sabor típico de ervas colhidas no jardim. Perguntei: - chá de boldo? Não senhora, é daquela “pranta”do vasinho. Simplesmente gelei. Não lembrava de planta alguma, parei imediatamente de tomar o chá. Cismada, pedi que ela me mostrasse a planta qual era. Dizem os antigos que nada melhor que um bom chá quente antes de se deitar, especialmente quando o problema é digestivo ou dos nervos. E eu estava com esses dois problemas ao mesmo tempo.
No jardim, ao lado de Zezé, descobri que ela havia usado uma planta ornamental, colhido suas folhas, para preparar o chá. Pura ignorância, não sei distinguir plantas que curam de plantas venenosas. Busquei um envelope de sal de frutas, talvez servisse de antídoto. Meia hora depois, já no meu trabalho, parecia que eu tinha pegado sarampo, toda empipocada, a pele com muitas manchinhas cor-de-rosa que coçavam sem parar. Pensei em automedicar-me, coisa que os médicos reprovam. Desisti, mas comecei também a espirrar sem parar. Tomei um antialérgico. O efeito colateral foi a sonolência. Acabei dormindo sobre a mesa do escritório, ao longe escutei meu chefe, dr. Armando, chamar o meu nome: Diva, Diva... Meu corpo pesava duas toneladas, minha cabeça parecia um bloco de concreto. E lá longe o homem repetia meu nome. Não conseguia responder. É tudo o que lembro.
Acordei em um hospital, toda ligada em aparelhos. Ao meu lado uma gente de branco. Sinceramente, pensei ter morrido, só tive certeza que estava viva quando puxaram uma comadre debaixo de mim. Mortos não fazem xixi, acho eu. Assim que pude me comunicar, veio o médico falar comigo. Envenenamento, bebi um chá de “comigo ninguém pode”. Pra não incriminar Zezé, eu disse que tinha limpado o jardim e que, talvez, eu tivesse acidentalmente levado as mãos ao rosto, passado a mão na boca. Claro, ninguém engoliu a minha versão, mas o que foi dito, está dito.
Encontrei entre os meus antigos pertences um livro sobre “ervas que curam”, imediatamente senti um arrepio, lembrei do episódio da “pranta”da Zezé. Hoje, no meu jardim, apenas melissa, limão, hortelã, salsinha e manjericão. Em casa, só tem uma coisa com quem ninguém pode: eu mesma. A concorrente queimei e joguei fora, em cinzas.
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4 de out. de 2011
DIVA EM CONSERVA
Esses últimos dias, ou os últimos acontecimentos que fervem em mim e ao meu redor, trouxeram de brinde a queda da minha imunidade física. A consequência é óbvia: não consegui trabalhar o suficiente ontem e hoje. Amontoei os travesseiros sobre a cama. Fiz uma espécie de ninho e me acomodei do jeito que pude. Liguei o notebook. Resolvi acompanhar a quantidade expressiva de leitores que acessaram o blog nesses últimos dias. A origem do tráfego, dedurada pelo Google, mostra que brasileiros e estrangeiros aportaram no Diva Latívia. Nem sempre chegaram sem querer, às vezes estavam procurando algo no Google e caíram aqui, nas minhas letrinhas. Uma das pesquisas que fizeram foi sobre “ frases de amor”. Suspirei. Não sei se o suspiro foi de esperança, se foi de desconsolo. Eu, em pleno maremoto, escrevi algo romântico mais de uma vez. Lembrei-me do palhaço, que faz a plateia rir, ainda que esteja triste. Diva palhaça. Procuraram por “ vinho e jazz”, escrevi sobre alguém que saiu para beber vinho e tomou várias garrafas ao som de jazz: Vinho, Jazz e Zuzubem.
Estou triste. Muito triste. Costumo dizer que a vida se parece com um tricô, é feita ponto a ponto e, quando menos esperamos, lá está o resultado, algo que lembra um belo cachecol tricotado. O meu tricô eu tive que desmanchar algumas vezes e cá estou novamente, a desfazê-lo. Perdi algum ponto no meio do trabalho. A incansável busca da felicidade, que não está em outrem, mas dentro de si. A felicidade dentro de mim amanheceu com virose. Enquanto aprendo com o erro, enquanto busco onde foi mesmo que eu errei, sou leitora e derramo o olhar sobre os textos de Diva Latívia. Um achado, parece que fiz uma espécie de conserva para dias nublados feito o de hoje, textos em compota. Doces, amargos, acondicionados em um blog aberto ao mundo. Reservas de afeto para dias cinzentos, para lembrar-me que não há mal que pra sempre dure, nem bem... Bem! Deixem isso pra lá. Continuo a leitura de minhas crônicas.
Em um dos textos, recebo flores de quem sempre esperei. Um tanto desesperada, a última flor que escrevi ficou despetalada. Em outra história, eu me despeço de um amigo que virou estrelinha. Depois outro e mais outro. Quantos! Tantos! Uma constelação. Mais adiante, busco um novo amor, encontro essa promessa. Eu faço versos, ilustro uma palma da mão. Batizo a faxineira de Zezé, o aspirador de pó engole objetos sobre o tapete, a torneira do banheiro jorra água. E tudo isso no mesmo blog, enquanto a vida borbulha. Meus textos, minha cura. Esta é a minha felicidade, tudo o que não será de mim tirado, letrinhas que não me trocarão por outro escritor, que se casaram comigo antes mesmo de eu aprender a escrever. Este blog sou eu. Diva sou eu. Latívia, portanto nascida Diva, segundo meu padrinho Abílio Manoel. Uma Diva que se emociona e consola com sua criação.
Termino exausta, preciso descansar. Virose é a resposta a tudo aquilo o que não tem explicação. O remédio é deixar o tempo passar. Ah, o tempo!
3 de out. de 2011
EM CADA PÉTALA HÁ UMA ROSA
Em meio ao trânsito, parada no semáforo. Observei a vendedora de flores oferecendo rosas por entre os carros. O sol escaldante, seu rosto vincado, linhas profundas e olhar sem brilho. Perguntei o preço, escolhi uma rosa vermelha. Levei a flor meio murcha pra casa, arrumei do jeito que pude em um pequeno vaso de cristal.
No dia seguinte, despetalada. Restou o caule espinhoso, poucas pétalas resistiram intactas, espalharam-se pelo chão. Sem muito refletir, eu a recolhi e atirei-a no lixo. Depois, fiquei a pensar. Na vida tudo o que eu queria era plantar flores, ter um jardim de muitas formas e cores, filhos brincando ao redor. Um cãozinho com nome engraçado, fazendo folia de um jeito estabanado. No coração um amor masculino, certeiro, desses que atravessam décadas sob o clima que houver.
No dia seguinte, despetalada. Restou o caule espinhoso, poucas pétalas resistiram intactas, espalharam-se pelo chão. Sem muito refletir, eu a recolhi e atirei-a no lixo. Depois, fiquei a pensar. Na vida tudo o que eu queria era plantar flores, ter um jardim de muitas formas e cores, filhos brincando ao redor. Um cãozinho com nome engraçado, fazendo folia de um jeito estabanado. No coração um amor masculino, certeiro, desses que atravessam décadas sob o clima que houver.
Voltei ao lixo, recolhi as pétalas. Guardei-as dentro do caderno onde escrevo meus textos e deixei pra mim mesma um bilhete, anotado com a caligrafia corrida, algo pra eu não esquecer: “sou a responsável pela minha felicidade, ainda nesta vida terei o sonho que sonhei”. Lindo sonho, na medida certa, cabe em cada pétala de rosa.
INQUIETUDE
Vontade de sair correndo e me declarar louca. Não mais cumprir os prazos, assinar papéis, nem mesmo pagar as contas. Vontade de gritar no trânsito, jogar fora o relógio, esquecer em casa o celular, mandar para os diabos quem vier reclamar. Vontade de não sorrir por simpatia, sequer por formalidade responder ao bom dia. Vontade de sair descalça, sem pentear os cabelos, falar sozinha, rir de mim mesma enquanto observo no céu o formato das nuvens: ora monstros, ora carneirinhos. Vontade de ter vontade, de não perder o fiozinho daquilo o que rotularam “felicidade”. Vontade de não andar na moda, de não seguir tantas regras, de fugir da cidade e não deixar meu endereço. Vontade de ter de volta o sorriso daquela foto antiga, quando eu ainda acreditava em papai Noel, duendes, fadinha do dente e assistia à novela. Vontade de chorar, mas as lágrimas secaram. Vontade de perder a memória, vagar sem pensar, feito garrafa com mensagem, perdida, atirada ao mar.
2 de out. de 2011
DIVA LATÍVIA CRESCEU!
Tudo começa com um primeiro olhar, uma primeira palavra falada ou escrita, a primeira impressão. E, dizem por aí, é a primeira impressão quem eternamente fica. Assim é o amor, assim é a paixão. Mas, descobri nos últimos dois anos, que a primeira palavra apaixona profundamente. Não apenas no relacionamento amoroso, mas em tudo aquilo o que se coloca a energia e a alma. Do trabalho a uma atividade diária. Tudo que é feito com dedicação, em que há a entrega do coração, isso apaixona, encanta, adoça a vida.
Pra mim, o prazer de escrever é a melhor descoberta que fiz, ao longo das minhas décadas nesta existência. Se estou bem, escrevo. Se algo vai mal, escrevo. Se estou ocupada, escrevo. Se o dia é de folga, também escrevo. Falo de mim, falo de tudo, falo de nada. Cuidado, você me inspira!
O blog cresceu. Feito mudinha de planta, ele cabia em um vasinho pequeno. Enraizou, o vaso ficou pequeno. Hoje, registrei o domínio do Diva Latívia. Pouco entendo dessas muitas configurações do blog. Pesquisei, li, segui as orientações. E eis que amanheci divalativia.com.
Tudo na vida amadurece e toma um rumo. Os relacionamentos amorosos nem sempre chegam ao registro de um domínio. Falta de paixão, mudança de planos. Casei com a escrita, finalmente casei. Isso sim um final feliz. Final? Nem bem comecei! E você, que lê meus textos, que acompanha as minhas histórias, receba o meu agradecimento sincero. Sem você, não teria a menor graça! Obrigada leitor, obrigada leitora! E vamos que vamos neste “ponto com”.
Diva Latívia
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1 de out. de 2011
23.000 VISITAS!
Leitores, leitoras!
Aqui deixo o registro das 23.000 visitas ao blog.
Obrigada pela presença de cada um de vocês!
Cláudia ( Diva Latívia)
Aqui deixo o registro das 23.000 visitas ao blog.
Obrigada pela presença de cada um de vocês!
Cláudia ( Diva Latívia)
VAMOS DANÇAR?
Música feita sob medida para dançar. Feita sob medida para quem dançou, dança, dançará. Bailando, ou simplesmente dançando. Gente feito eu, gente feito você. I´ve got you under my skin. Coisa de pele, que toca o coração feito corda de violino. Pra não esquecer. Coisa de mim, feita sob medida pra você!
LONGA NOITE, NOVO DIA
Outro dia, outro sábado! A insônia me acompanhou a noite toda. Olhava pro notebook, o notebook olhava pra mim. Resolvi não escrever, quem sabe isso me ajudasse a adormecer? Qual o quê! Voltei pra cama. Virei pra um lado, virei pro outro lado. Os sabiás começaram a cantar, não havia raiado o sol. Ao longe podia ouvir carros trafegando em uma avenida próxima de casa. Gente que ia e vinha de baladas, encontros românticos, trabalho, visita a amigos e parentes. Tentei imaginar a história de cada um. Pela fresta da janela observei a claridade do dia avançar. Meia-luz, o sol um tanto tímido a despontar.
Fui vencida pela falta de sono, saí do quarto, fui até à cozinha. Café redentor! Três colheres de sopa bem cheias de pó de café, água borbulhante, quase fervente. Aprendi assim. Reguei as plantinhas da janela, ajeitei as almofadas do sofá. Passarinhos cantando, o relógio de parede fazendo tic-tac-tic-tac. Meu tempo passando, passando. Liguei o notebook. Um novo texto para sinalizar que estou viva, apesar de não ter adormecido. Outro sábado, outro dia. Lindo dia. Bom dia!
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