Domingo é aquele dia feito sob medida para dormir muito.
Minha caminha aconchegante, quentinha, eu totalmente despreocupada, relaxada.
Que coisa boa que é a paz, o sossego!
Creio, escutei um som. Talvez, proveniente de algum
apartamento vizinho. Um alarme, talvez o telefone. Que gente inconveniente,
domingo a essa hora? Que horas seriam? Ah, isso não importava. Virei-me,
arrumei o travesseiro de um jeito tão bom que o sono me abraçou novamente.
Despertei. Teria sido o interfone, ou a campainha? Meu
cãozinho, Bono, latiu estridente. Sem acreditar no que ocorria, zonza, caminhei
sem rumo. Bati aquele ossinho do pé na quina da porta do quarto. Esmurrei a
porta de tanta raiva: - porta filha da ....!!! Divo falou qualquer coisa: - Oi?
Eu?
Antes que eu chegasse à cozinha, o interfone disparou duas
vezes. Atendi e escutei a voz de Lindomar, o porteiro. – Dona Diva, tem uma muié
aqui embaixo dizendo que é sua tia, ela pode subir?
Bono latia, o pé latejava, pensei em dizer ao porteiro que
inventasse qualquer desculpa, dissesse que não tinha ninguém em casa. Eu estava
meio dormindo, meio morrendo de dor no
pé. Bono decidiu por mim, ao abanar o
rabinho todo satisfeito. - Qual o nome
dela, Lindomar?
- Pera aí que vou preguntá.
- É Violeta.
Tudo o que eu não queria naquele domingo começava a acontecer.
Olhei pro relógio da cozinha, 08h15 da matina. Domingo. O sono era tanto que,
se eu pudesse, dormiria em pé.
-Manda subir!
Nem tive tempo de escovar os dentes, a titia apertou a
campainha diversas vezes seguidas. Bono voltou a latir.Saí do banheiro mancando, de camisola, despenteada. – Bom dia,
titia, seja bem-vinda!
Sequer respondeu, atirou-se sobre o sofá, com seu
guarda-chuva. – Ai, estou muito cansada. O que você tem pra beber?
Busquei água pra titia. Admirada, repreendeu-me. – Menina, a
esta hora da manhã você deveria estar vestida. Eu prefiro café, onde está o
café?
Tinha começado o inferno do meu domingo. Um domingo
ensolarado.Pra quê aquele guarda-chuva?
- Titia, vai chover?
- Está louca, garota? Não vê que está fazendo sol?
- Mas, esse guarda-chuva...
- O que tem? Eu uso o guarda-chuva pra minha proteção!
Achei melhor não fazer mais perguntas. Proteção contra raios
solares? Contra ladrões? Talvez, já caduca, ela estivesse vendo inimigos
imaginários!
Divo acordou com todo aquele barulho.
Titia, ao vê-lo na sala, não se conteve. – Nossa, você está
horrível, meu filho. Precisa emagrecer, ou vai morrer do coração.
Divo olhou-me atravessado.Não tive dúvidas, peguei aquele comprimidinho tranquilizante
natural que a minha médica homeopata, Dra. Norma, havia prescrito pra mim.
Tomei logo dois. Homeopatia, segundo eu imaginava, era algo leve, inofensivo,
quase docinho pra criança. Sentei-me à mesa e observei titia mastigar
avidamente pão integral com requeijão. O som que produziu ao beber café com
leite fez Bono rosnar.
- Diva, menina, quem vai buscar minha mala na portaria do
prédio?
-Sua mala?
-Claro, como acha que vou passar uma temporada na sua casa
sem trazer minhas coisas? Mande seu marido ir buscar!
Mal terminou de falar, tirou a dentadura, sem a menor cerimônia e, com dificuldade, caminhou até a cozinha, escolheu um dos meus copos favoritos e lá colocou a dita cuja.
Homeopatia é coisa natural. Feito maracujá, erva doce, essas
coisas. Tomei mais um comprimidinho de calmante e não lembro muito bem se falei
com Divo, ou não. O que sei é que consegui chegar até minha cama.
Sonhei que eu voava, que a montanha-russa tinha asas e que
as nuvens eram esverdeadas.
Acordei às 17h23, assim marcava no rádio-relógio. Meu quarto
silencioso, tudo muito confortável. Onde estaria Divo?
Cheguei à sala, titia fazia crochê e assistia Silvio Santos.
Divo e Bono deixaram um bilhete assim escrito: fomos almoçar na casa da mamãe.
- Diva, sua irresponsável! Uma mulher tem deveres, quer
perder seu marido pra outra? Como que você dorme até essa hora? Por isso que você está assim, gorda! Seu marido
ficou sem almoço e eu estou faminta! O que vamos ter para o jantar?
Fugi de volta pro quarto e telefonei pra prima Rosa. –
Rosinha, pelo amor de Deus, me ajude!
Titia, para meu alívio, foi exportada pra casa da Rosinha,
ela e sua mala. Passei dois dias meio avoada, calma demais. Homeopatia, é?
Aquilo é uma bomba-calmante! Comigo
agora é assim: na portaria do prédio deixei ordem de jamais, nem mesmo em caso
de incêndio, o interfone tocar antes do meio-dia.
Quinta-feira, dez horas da manhã, chegou o televisor novo,
comprado por Divo no sábado. Lindomar, o porteiro, não recebeu e nem me chamou,
afinal não era meio-dia. Sacana!
Pensei em tomar outro calmante homeopático, mas concluí que
aquilo dava barato, com nuvens esverdeadas e tudo o mais. Melhor enfrentar a
realidade à seco. E tudo isso eu devo à tia Violeta, que de casa em casa, de
parente em parente, causa confusões familiares incríveis.
Hoje cedo telefonou a prima Rosa. Queria, de todo jeito, me
convencer que agora era minha vez de ficar com a tia Violeta. Segundo propôs:
uma semana cada uma, um revezamento.Mais do que depressa eu inventei uma
desculpa: - Vou operar, não posso!
– Operar o quê?
– É... Hã... Não seja
indiscreta, Rosinha!
– Ah, já sei, vai colocar silicone na bunda, né?
O desaforo de Rosinha me fez entender que melhor do que calmante homeopático são exercícios físicos regulares. Escrever, meu esporte preferido, é um bom tranquilizante e não tem efeitos colaterais, mas tem nuvens esverdeadas e me faz voar pra qualquer lugar. Santo calmante!